sábado, 30 de abril de 2011

A Revisora

Este texto é dedicado a O Capista, que me fez recordar de mim mesma
 e a RJS, que caminhou comigo

Aprendi a ser revisora numa mesa de bar, num dia 31 de dezembro de um ano que nem me lembro mais. Meu amigo e ídolo na época, revisor por sete anos de trabalhos forçados - como gostava de enfatizar -, me ensinou os primeiros sinais. Sim! Naquela época a revisão era feita no papel, digo, nos originais, com sinais próprios que indicavam qual emenda deveria ser feita.

Naquele fim de tarde no bar, em frente ao CCSP (Centro Cultural São Paulo), onde autores independentes vendiam suas poesias mimeografadas e nos abordavam com aquela famosa frase dos anos 70-80:  "você gosta de poesia?", eu começei a formar a minha bagagem cultural mais importante: tomei posse de um poder infinito - bem, pelo menos, essa era a sensação que eu tinha! Escusado será dizer minha pouca idade e inocência à época! Para mim, conhecer aqueles sinais, saber utilizá-los, era ter uma força, um domínio sobre o texto e as palavras que me alçavam do lugar de simples mortal para o patamar superior dos amantes e conhecedores da língua pátria (mátria!).

Grandes autores e jornalistas das antigas haviam começado suas carreiras compondo tipos, fazendo revisão, enveredando por redações de jornal e tendo intimidade com suas máquinas de escrever.... eu achava que já estava no caminho! Filha de professora de português, que havia tido escola de datilografia, desde criança eu convivia com os livros e o som das teclas.... que amo até hoje! E pensei (sonhei) seriamente em também fazer parte desse universo mítico entre a criação e a produção de textos. 

Comecei pelo jornalismo e terminei pela língua portuguesa. Antes mesmo de ter o meu diploma, trilhei o caminho da revisão do começo ao fim: trabalhos acadêmicos, teses, pequenos artigos, jornaizinhos de bairro, empresas pequenas, assessorias de comunicação, prestação de serviços para editoras e agências de publicidade e propaganda, até chegar em editoras pequenas e médias. Parei aí. Mais de vinte anos de carreira se contar desde o princípio! Eu amava ser revisora. Acho que nasci pra ser revisora. Mesmo com todas as agruras da profissão.  Ah, as agruras!

Bem que o meu amigo havia me alertado! "Trabalhos forçados". E eu não havia entendido de primeira! Trabalhos de urgência, de última hora, nos feriados.... trabalhos em tempo recorde, em que eu almoçava e jantava com o texto ao lado; trabalhos que iam dormir comigo e à noite me acordavam me questionando, me indagando se eu havia feito desta ou daquela maneira... e as interrupções? quantas vezes o editor me pedia exclusividade naquele texto, urgência máxima, e depois ficava me ligando a toda hora pra tirar dúvidas, trocar o capítulo porque o autor mudou,  ou  pra eu acompanhar a segunda revisão de outra obra, mais urgente ainda? E como acompanhar cabeçalhos e rodapés de páginas que continham o título da obra? Quase sempre eu recebia um material com a seguinte indicação: o título é este mas ainda pode mudar. Se quiser, pode sugerir uns dois ou três!

Citando e parodiando meu amigo O Capista, também temos a revisão Frankestein! Imagine um livro de 500 ou mais páginas dividido entre dois ou três revisores... a personagem principal pode se chamar Neusa até a página 200 e Neuza daí até o final. Tá bom só pra ilustrar? Isso, sem contar com o estilo próprio de cada revisor: 

1) Revisor-cabeleireiro: aquele que sai "tesourando" o texto alheio;
2) Revisor-paranóico: aquele que tem medo do autor e não muda nada;
3) Revisor-superparanóico: aquele que tem medo do autor E do editor;
4) Revisor-megaparanóico: aquele que tem medo de o "outro" revisor ser melhor que ele;
5) Revisor-vernáculo: aquele respeitoso só aos cânones de Napoleão Mendes de Almeida e cia.;
6) Revisor de 2a. : só confere a segunda leitura, se um erro passou, culpa do primeiro!
7) Revisor que só segue o Aurélio;
8) Revisor que só segue o Houaiss.

E por aí vai... não consegui ser tão criativa e engraçada quanto meu nobre colega, mas tentei mostrar um pouco da "síndrome de pânico" que me atacou nesses anos todos revisando... Os causos são inúmeros, as questões a serem levantadas, infinitas! As nuances, enormes! O fato é que eu mudei de profissão.

Há mais ou menos uns quatro anos não reviso nada! Abro apenas duas exceções para dois autores que conheço. Um, jornalista. Escreve livros de poemas. Belíssimos. Autor independente que canta sua terra e suas memórias. Outro, geólogo. Autor de trabalhos científicos interessantíssimos, que mesclam as primeiras descobertas e descrições das cavernas no Brasil com  hábitos de quirópteros, vulgo morcegos, e formações rochosas.

Pois bem, durante muitos anos, os erros tipográficos (e os outros também) me assombraram no escuro da noite e no claro do dia! Como Sacis de Monteiro Lobato (como ele mesmo os definiu), tais "erros" pulavam pra fora da página me gritando: você deixou passar um! você deixou passar um!

Você, caro leitor, pode tentar imaginar o que é revisar uma obra de 200, 300 páginas e tê-las inteiras na cabeça durante esse trabalho, dar o melhor de si, revisar uma segunda vez, conferir sugestões, conferir as emendas e depois, obra impressa, cheirinho de tinta, você abre uma página ao acaso e pá! um golpe na boca do estômago: uma palavra você sem acento; a falta de um ponto final; uma sílaba separada erroneamente... na verdade, foi um "erro-Saci" que brincou de esconde-esconde o tempo todo e resolveu aparecer no dia do lançamento, na noite de autógrafos, ou pior, na cara da editora... e você (com acento) ali, sem chão....

Mas não pensem que fraquejei! Não, corajosamente passei por todas as etapas, lidei com todos os textos, também com fracassos e sucessos, pois broncas e elogios andam juntos nessa carreira... mas resolvi mudar. É difícil, mas resolvi mudar. 

A revisora deu lugar a outra profissão. Que é mais estranha ainda! Cada uma que me aparece! Mas não vou contar não! Não pensem em bobagens! Fica pra próxima. É que eu nem assumi meu cargo ainda, tenho medo que ele se evapore no ar só pelo simples fato de ser mencionado... Quero ver o preto-no-branco, as letras de meu nome impressas no Diário Oficial.... vícios da antiga profissão! Ah, e ainda teimam em escrever meu nome com "d" pequeno! Sou de família italiana! Italiana! Ninguém faria isso com o De Niro! Mas só vou pedir pra corrigir depois....



PS.:  1) O primeiro amigo citado é RJS, desde os remotos tempos da faculdade e dos bares da vida. É hoje um renomado jornalista. Sempre foi uma pessoa íntegra, idônea e ética. Como recompensa de seu árduo trabalho e esforço, tem uma vida feliz, tem sucesso, tem atributos morais e econômicos, e tem a presença de Anita para alegrar a festa!  

PS.: 2) O segundo amigo citado trata-se de O Capista. Vi por acaso o seu blog e achei muito interessantes as suas observações sobre a profissão. Tomei a liberdade de chamá-lo de amigo sem nem mesmo o conhecer. Espero que ele não se importe.

PS.: 3) Certamente haverá um "erro-Saci" me espreitando nestas entrelinhas... não o desconsiderem, por favor! Podem me avisar que terei o maior prazer em corrigi-lo - só pra não perder o hábito....



sexta-feira, 29 de abril de 2011

Vitória

Ela nunca esteve tão longe e tão perto ao mesmo tempo

Simples - e miticamente - ei-la:

VITÓRIA

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Matei minha própria barata e fui embora

Engraçados os seres humanos que somos. Gostamos de falar que somos guerreiros e dignos. Altivos. Abrimos o peito e nos enchemos de orgulho para dizer que matamos um leão por dia. O que ganhamos com isso?

Ontem matei minha primeira barata. 

Pensei, seriamente, em chamar meu filho para fazer o serviço. Mas lembrei-me de um conto do Carpinejar. Em frações de segundo, enquanto eu decidia o que fazer, vários autores me vieram à cabeça: Kafka, Clarice Lispector, Carpinejar... só que ele estava dormindo (o meu filho, claro). E eu não quis transferir essa tão grande responsabilidade a um jovem de 11 anos. Sei que ele não se intimidaria com a tarefa e desferiria um golpe mortal e certeiro sem o menor pudor ou muxoxos de nojo. Mas decidi que faria eu mesma a execução. Sabia que eu era capaz. 

E "se um dia, vivi a ilusão de que o mundo masculino tudo me daria" ... acabara ali, para quase todo o sempre - com algumas raras exceções, é claro - esse desejo arcaico dos séculos passados.

Nos meus cálculos mentais, achei por bem deixar preparado o plano B, enquanto partia pra ação no plano A. Pensei também que, já que teria de fazer isso, nada de uma morte química, com um asséptico inseticida paralisante. Seria de um jeito brutal: a vassouradas. Pois bem. Tudo a postos. Plano B: deixei a porta aberta para que a coitada pudesse fugir para a rua, caso eu viesse a fracassar. Plano A: a boa e velha vassoura de piaçava (logicamente que por ser mais dura, deveria ser mais eficaz!) e a pazinha ao alcance da mão. 

E lá fui eu, pé ante pé, localizar a inimiga. Zás. Uma, duas, três, quatro lancinantes vassouradas na desgraçada. Ela tentou fugir, mas consegui capturá-la. Ela se contorceu (deve ter gemido). Ela cambaleou, mas por fim sucumbiu. Ficou despedaçada, sem antenas, esmagada.

E eu? Saí fortalecida. Matei minha própria barata e fui embora. Mas fiquei me questionando sobre os efeitos futuros desse ato. O que isso me torna? Guerreira? Vitoriosa? Persistente? Determinada?

Desanimada seria o mais próximo do que senti. (Seria, não fosse um constante policiamento de minha parte para não me deixar abater...). De que me vale tanta força, sair para caçar leões e matar baratas, diariamente?

Na verdade, esse simples gesto abriu um precedente. E essa é apenas mais uma das habilidades que a partir de agora posso incluir no meu currículo.



sábado, 2 de abril de 2011

Minissérie

Série inspirada no 6X6: historinhas curtas, com apenas 6 palavras


PRIMAVERA:
Perfume no ar, cheirando a jasmim.

VERÃO:
Céu amarelo, céu laranja, céu anil.

OUTONO:
Sol claro, vento fresco rodopiando folhas.

INVERNO
Lua cheia no céu azul-marinho.

APARTAMENTO:
Descompasso urbano: máquina grande,varal pequeno.

PARTIDA:
Gavetas abertas, cabides vazios, agora fui.

MISERÊ:
Geladeira de dieta: alface, maçã, água.

DEFESA:
Três trancas na porta. Neurose ativada.

ACONCHEGO:
Eu sozinha mais a pipoca quentinha

TÉCNICA:
Ele ataca, ataca, ataca. Se defende?

CORRIDA:
Eu corro. De quê? Não sei.

ESPAÇO
Sozinha na cama grande: espaço demais.

DIVERSÃO
Frescobol: felicidade ao alcance da mão.