quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Rumo a 2011

Apenas por um curto período
alguém saiu de férias
                             e deixou um bilhete
 comum:

"Vou ali e volto já..."

Obrigada a todos que me "leram" nesse curto período! Obrigada pela energia, pelas sugestões, pelos comentários... obrigada por serem matéria-prima destas minhas palavras-primas. Estarei em contato com velhos amigos, saborosas lembranças e lugares que amo na minha cidade. Vou colher material de pesquisa...

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Os avós de Benedita

Benedita estava chorando no parapeito da janela. Aquela mesma, terceiro andar, de fundos. Podia chorar porque sabia que ninguém a observaria. Tinha certeza disso.

Olhava árvores cinquentenárias que não lhe pertenciam. Faziam parte de uma cidade que não era a dela. E apenas um beija-flor, uma andorinha, um sabiá e um pardal ou outro lhe faziam companhia. Havia chovido, mas estava calor, as aves revoavam ao seu redor, e ela estranhava o fato de que em pleno século 21 ainda havia um jardim de fundos, com uma goiabeira remanescente, habitada por aves tão leves, tão livres. Benedita e esses pássaros - que ainda sabia reconhecer - estavam juntos se olhando. Eles cantavam e ela chorava, sentindo solidão.

Toda vez que isso acontecia, velhas lembranças lhe vinham à cabeça e faziam com que ela se sentisse ainda pior, massacrada pela angústia de se achar tão egoísta. É que nessas horas de solidão ela gostava de ir ao encontro de seus avós. Para sentir amor. Só que também sentia muito desconforto em pensar que eles deveriam sair de lá de onde estivessem para vir em seu socorro.

Ela achava egoísmo de sua parte. Muito egoísmo. Mas era o seu único escudo protetor. É assim que sentia amor. A certeza do amor. Nessas horas, não pensava em seus pais, que estavam tão ocupados, na saúde e na doença juntos. Não pensava em seus filhos: um ainda criança e precisando muito dela, outro ainda adolescente e, embora bradar que não, também precisando muito dela. Não pensava em seu companheiro, o qual já a abandonara faz tempo! Esse, decididamente não precisava mais dela. Mas não, nessas horas, Benedita pensava em seus avós mortos, que a amavam.

Seus avós retornavam de suas memórias e a acolhiam, no seu carinho, no seu modo de ser, cada um a seu jeito. Então, ela podia voltar a ser criança, querida, acolhida, escolhida, protegida, especial. Ela se sentia abraçada. Voltava a ser um projeto de esperança, um projeto de vida com a certeza de que tudo iria dar certo e de que as coisas iriam fluir.

Pelos olhos dos seus avós mortos, que a amaram muito, ela voltava a se sentir bendita, abençoada, voltava a se sentir menina e com esperanças no futuro. Benedita voltava a seguir um caminho e a acreditar nele.

Como queria abraçar de novo os seus avós... 

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Apenas alguém comum fritando bifes

Não sou ninguém e isso me possibilita escrever sobre qualquer coisa.
Ou melhor (para que nem minha mãe e nem meu psiquiatra me liguem preocupados) sou apenas alguém comum. Por isso, livre. Ou querendo ser livre. Livre de preconceitos, livre das amarras da mente, livre das análises comprometidas e complicadas, livre das teses sisudas.

Mas no fim das contas, no frigir dos ovos, a vida sobre a qual quero escrever deveria ser como bifes fritando numa frigideira. Explico: todos de um lado. Espera. Vira. Espera. Vira. Todos juntos. Chances iguais. Sem muita mexeção. Quando o do meio vai ficando muito torrado, troca de lugar com o da lateral. Ou vice-versa. Chances iguais. Todos ficam prontos ao mesmo tempo. Igualmente apetitosos. Todos saem vencedores. Eu, pelo menos, sou honesta quando frito bifes. Sou honesta comigo mesma nas chances que quero me dar. Chances iguais.

Por analisar empiricamente durante muitos anos e por ser honesta comigo mesma na questão das chances iguais, declaro que escrever é melhor que fritar bifes. Embora muitas vezes o sabor dos bifes seja melhor. Algumas palavras são sempre amargas e indigestas. 


Minha privada vida pública

Já dizia o Barão de Itararé:
"A minha vida pública é uma continuação da privada"

Ironicamente, apesar de me expressar muito, gosto de me expor pouco.
Apesar de fazer parte das redes sociais, não frequento as rodas. Eu me explico: sou une lectrice, ou melhor, une voyer desse adorável/odiável espaço público onde as pessoas se expõem sem o menor pudor, sem a menor cerimônia. Assim, vamos sendo convidados, ora por um, ora por outro, a tomar um café, a ir a uma exposição, a ir dormir, a acordar, a ir trabalhar, a saber suas notas, seus trabalhos, seus prêmios, seus clientes, a ver um show, a assistir a um jogo, a viajar de férias...

Ainda não decidi dentro de mim (nem sei se o farei) se isso é bom ou ruim ou mais ou menos. Gosto de me sentir no parapeito da janela virtual, de ficar sabendo das coisas, das pessoas, do que ocorre ao meu redor - já que me situo tão longe. Eu me sinto a velha tia, tomando conta de tudo: quem vai, quem foi, quem vem.
Mas como eu já disse, sou apenas uma leitora desses acontecimentos. Não me exponho. Mas saibam que eu sei. Sei se foi café ou chocolate quente. Sei se o banho foi antes ou depois de postar a mensagem. Sei se o trânsito foi do cão. Mas a minha vida eu não conto.

Mas não conto não é por descaso, desprezo ou por me sentir apartada, não me entendam mal. Nem é por segredo algum. Como já dizia o Barão, é simplesmente porque minha vida pública é uma continuação da privada. E é com isso que eu tenho de lidar. Às vezes, o produto de minha existência diária vai ladeira abaixo. Às vezes, fica boiando nos meus pensamentos, me incomodando, me fazendo ver que preciso tomar uma atitude. Pessoal e intransferível. Todo santo dia. E isso cansa. Como agora.

Estou me sentindo muito cansada. Não sei bem do quê. Acho que estou com natalite aguda. É comparável com uma daquelas sensações de fim de ano, junto com um calor desértico, de estafa, esgotamento, em que você tem de passar para todos os outros que está zen, num clima natalino, feliz da vida, fazendo compras, onde a suprema felicidade é ter dificuldade para encontrar uma vaga nos estacionamentos dos shoppinhgs, ou carregar sacolas enormes do Armazém Fernando na rua 25 de março, mas feliz.

Pois bem,
Eu não dirijo. Portanto nunca tenho dificuldade nos estacionamentos.
Eu não moro em SP. Portanto, 25 de março só na tv.
Eu não vou a shoppings. Portanto não tenho problemas com compras.
Eu não comemoro natal. Portanto não estou num clima natalino.

Mas isso cansa. Qual é o melhor presente para homens, mulheres, adolescentes e crianças? Qual será o cardápio da ceia de natal? Qual o melhor centro de mesa? Qual a árvore mais bonita? Você já fez sua decoração? Que guirlanda irá colocar na porta? quantos castiçais para uma mesa de seis? Já tirou o nome do seu amigo oculto? Já fez suas compras? Já? Já? Já? Comprou? Comprou? Comprou?

Todos os anos é assim. Sempre assim. Eu é que ainda não consegui contornar. Eu me sinto bombardeada diariamente pelos jornais, pela tv, pelas conversas nas ruas. Eu quero pensar em outros assuntos, coisas mais leves ou mesmo mais graves, porém coisas simples, rotineiras, com o sabor da estação do verão. Eu quero pensar no recomeço, nas minhas tentativas frustradas do ano que se acaba e em como transformá-las em possibilidades para o próximo ano. Nas tentativas certeiras que quero repetir.

Eu quero pensar em dados concretos. Na vida concreta que se reinicia a cada dia.
Eu quero pensar numa coisa que tenha começo, meio e fim. Nessa ordem. Na minha mão.
Eu quero criar o meu dia. E a minha própria vida comezinha.
E como é tudo tão novo, tão incerto, tão impalpável, tão cheio de hipóteses, incertezas e dúvidas, eu não exponho. What's on your mind? Eu não sei. Eu não sei.

Lembrei da Rita Lee e imaginei ela cantando:
"me libertei daquela vida comezinha que eu levava estando junto a você..."

Ninguém que eu conheça na face da terra ou da janela virtual leva uma vida comezinha. Mas eu levo! Eu juro! E jurar em falso ou é mentira ou pecado. E eu não peco. Embora minta às vezes.

Não me venham com estampa de cobra!

Não gosto de estampa de animal, seja ele fera ou bichinho: onça, zebra, tigre, leopardo, cobra, pavão, ursinho, coelhinho, carneirinho, cachorrinho, gatinho. Não sei porque a moda insiste em nos rotular como felinas elegantes, fêmeas animalescas, bestas-feras ladinas ou infantilizadas. A quem se quer enganar? Não vivemos mais nos tempos das cavernas, não nos cobrimos com peles, não precisamos nos aquecer, não vamos nos tornar poderosas por isso. Nem meigas, doces, frágeis.

De todas essas estampas, a que mais me incomoda é a de cobra. Quem se vestiria para se sentir rastejante, sinuosa, sibilante? Quem tem orgulho em ostentar uma segunda pele - que não é a sua - que traz imbuída as maldades traiçoeiras do mundo?

Você veste a cobra e se torna uma. À espreita, se esgueirando, va  ga   ro   sa, pronta para dar o bote, para ferir, para assustar, para matar. E depois se despe. Se desnuda dessa própria pele - esperando uma próxima igualzinha - sem deixar de lado ser como é.

Odeio pele de cobra, estampa de cobra, chocalho de cobra e piadinha de cobra.
Odeio traições.