domingo, 4 de dezembro de 2011

Prosaica

É como me sinto.

Vasculhando minhas memórias e redes sociais, dou de cara com lembranças de frases, lugares, momentos de décadas que eu achava que não voltariam mais. Voltaram. Novamente tive vontade de rever Portugal, parentes e amigos. De beber da mesma taça mensal do Miradouro de Santa Justa, no Bairro Alto, a comemorar o recebimento da bolsa de estudante...

"Você me ama?" - "Sim, mas não vou te buscar um copo d'água".

E por mais que eu tenha viajado pelos meus mares nunca d'antes navegados, a surpresa e o maravilhamento do novo são interrompidos pelas minhas lágrimas de saudades. Deus me fez de peixes para chorar pela última vez. Mas só que nesta vida toda.Onde estão minhas alegrias e meus prazeres? Eu não aguento mais tantas dores, sofrimentos calados, tristezas pequenas, comezinhas, de coisas sem importância. Fico me perguntando porque vejo e sinto? Queria passar incólume pelas coisas, queria que nada me fizesse sentido, queria não conhecer o sabor da mágoa.

Queria não sentir saudades. Queria não sentir raiva. Queria não sentir mágoa.

Sinto minha alma como uma flor de castanheira amassada. Como uma alma de desenho animado, esgueirando-se por debaixo de uma porta. Explico: pisada como a flor, fina; "sem corpo" como nos desenhos, escorregadia.

Prosadora e prosaica, venho repetindo de mim aquilo mesmo que quis mudar... e por isso não consegui. Ser o mesmo mudando? Mudar sendo o mesmo? Impossível. É uma conta que não bate, que não fecha no fim do mês.

Prosaica e prosadora, eu de mim para mim mesma. Quero me guardar mas necessito me mostrar. Mas quem necessita saber quem sou? Apenas eu mesma. Eu comigo. Eu por mim.

sábado, 12 de novembro de 2011

Um brinde

Dentre as diversas coisas que aprendi ao longo da vida, colocar um copo no freezer é de uma praticidade singela e primordial.

Em dias como o de hoje (chuvosos, incertos, avulsos de significado), nos quais a solidão não atrapalha e nem ajuda, contar com uma cerveja gelada, bebida num copo gelado, pode conferir um "ar" todo especial.

Eu bebo, sim, e estou vivendo (dizia a canção) - e, embora longe de mim fazer apologia ao álcool, já dizia o mestre Lobão: um café, um cigarro, um trago, tudo isso não é vício...

E a solidão não me é piegas. É amiga. É (quase) escolha. É oportunidade de viver de mim para mim. De mim comigo mesma.

Nem todo mundo tem a oportunidade ou a vontade de se expor, de se desnudar, de ficar cara a cara com a vida. Pois bem, me foi dado um átimo de coragem e aqui eu declaro: só eu me escolhi como fiel companheira.

Houve os que me renegaram, os que me deixaram partir, os que me refutaram à primeira vista, os que provaram e não gostaram, os que não quiseram repetir, os que fugiram aterrorizados... enfim, demorei e aprendi: eu me escolhi. Eu me escalei paro o time, eu me dei o papel principal, eu me aprovei para o cargo. Agora, eu dirijo o projeto. E, por fim, eu brindo comigo mesma.

Num copo geladinho.

sábado, 22 de outubro de 2011

Tem camarão? Tem, sim senhor!!!!!

Sábado chuvoso. Semana chuvosa. Aliás, mês chuvoso.
Acho que fui vítima de uma propaganda enganosa. Pensei que moraria numa ilha, tropical, praia, sol, calor, conchinhas, drinks de abacaxi.... Bem, na verdade, só está mesmo faltando o sol.

O meu bairro se chama Jardim da Penha. Dizem que tem esse nome porque é muito plano e se estende como um jardim à beira-mar, aos pés do Convento da Penha, padroeira do Espírito Santo e minha madrinha, nesta última temporada. Quando andamos na praia, de qualquer ponto se pode avistar o Convento, ao final da Terceira Ponte. E realmente posso me sentir "uma flor" do Jardim da Penha.

Dentre as inúmeras maravilhas do meu bairro está a Feira do Jardim da Penha, aos sábados. (Abro aqui uns parênteses: quem é de S.P/Capital nem sabe o que é deixar de ter uma feira por perto... nem liga para a maravilhosa variedade que se pode ter ao alcance das mãos, não sabe o que é ficar sem uns pastéis com caldo de cana... preciso explicar que em BH a feira é quase inexistente. E eu estava com quinze anos de abstinência de passear por entre frutas, legumes e verduras fresquinhos, ouvir as cantilenas dos feirantes, ir provando pedacinhos aqui e ali, planejar o cardápio da semana e sair carregadíssima de sacolas....).

Pois bem, decidi que hoje iria à feira e iria comprar camarões. Modestos. Daqueles pra fazer um almocinho caseiro. E não é que amanheceu chovendo? De novo!!!! Mas, determinada, fui assim mesmo. Sacola na mão, uma ideia na cabeça. Além do dinheiro no bolso, óbvio. 

Durante a semana, havia pedido umas dicas para minha amiga e Chef Celita. Ela me deu tantas ideias que daria pra fazer um festival gastronômico do camarão.... Também um outro amigo contribuiu com sua receita, o Jeferson. Ainda bem que temos esse contato virtual... gostaria tanto de ter todos comigo, aqui em casa, almoçando, comemorando... como isso já é difícil.... pensei em dividir meu almoço com vocês. 

Munida dos melhores ingredientes, armada com facas e panelas, paramentada com meu avental, coloquei o almoço em prática. Preciso dizer que não segui nenhuma receita à risca. Li todas as dicas e  as misturei todas.... criei meu próprio cardápio, com base intuitiva e nos conselhos de meus amigos. 

Arroz branco salpicado com coco-fresco torradinho na manteiga
Camarão refogado no creme de leite e requeijão com um toque de bacon
Couve-flor cozida com salsinha e parmesão

Máquina em punho, Danilo, meu fiel escudeiro, registrou algumas cenas pra ver se vocês, alguém que seja, aprovam. Fica feito o convite.... 
























domingo, 16 de outubro de 2011

VARAL

Aqui estou eu de novo. Apertei o ligar.
Dei uma grande pausa, mas depois precisei chacoalhar incessantemente na máquina de lavar. 
Fui encharcada, agitada, torcida, espremida, centrifugada. 
Entrei cheia de nódoas e ainda não sei como (me) saí.
É preciso me estender, secar ao sol, me expor ao sol pra ver o estrago feito. 
Ou não. 
Às vezes entramos um e saímos outro. 
Às vezes entramos um e saímos o mesmo - melhorado.
Limpo.
Eu ainda não sei.
Programei a lavagem mais longa e pressinto que a secagem também o será.
Nesse meu varal imaginário, cheio de sol, posso abrir os braços, fechar os olhos, 
sentir o vento passando bem forte pelos meus cabelos.
Posso parar e deixar o tempo passar.
O tempo e o vento, amigos que brincam comigo.
Sou joguete nas mãos do tempo. Sou joguete nas mãos do vento.
Mas confio neles.
Brigo. Finco o pé e não arredo dali.
Posso comprovar o quanto sou forte. O quanto sou resistente. O quanto sou determinada.
O vento não me derruba.
O tempo não me apavora.
Eles passam por mim, mas eu resisto a eles.
Um dia vou secar.
(Será bom?)
Secar e apagar de mim as manchas, as nódoas, as mágoas.
Minhas mãos ficarão firmes.
Minhas pernas ficarão fortes.
Minha cabeça ficará erguida.
Meu coração ficará leve.
e o resto?
o resto ficará como tem de ser.

sábado, 9 de julho de 2011

Carregamentos móveis

Adoro essa dupla vocabular: Carregamentos Móveis. Minha mente voa. Meu raciocínio ecoa. E flui para tão longe do significado original que é preciso escrever, para reencontrar o ponto de partida. 

Pois bem, evocando um místico sentido que possa haver em carregamentos móveis, há tempos venho pensando no que levar, ou seja, no que posso carregar comigo.

Claro que antes de tudo preciso informar ao leitor sobre a Teoria Minimalista - da qual sou secreta e não empiricamente adepta. Trata-se, obviamente, como o nome já diz, do mínimo, de se tentar viver com o mínimo.

Embora mais por precisão que por convicção, a Teoria Minimalista me acompanha diariamente, desde o meu despertar. Em tudo o que faço, penso ou compro. Está no meu café da manhã, no meu guarda-roupa, nas compras do supermercado, nas viagens que faço (meu pai achava graça ao me ouvir contar como reduzira a mala, até chegar ao mínimo: a escova de dentes; então, eu chegava à conclusão de que nem a escova de dentes eu precisaria levar, pois já tinha uma lá... mas ele não viu, pois nunca consegui viajar sem nada, embora continue tentando).

Sempre gostei também de pensar na mala-ideal (outra teoria que venho desenvolvendo há anos...). Além de ser aquela que eu mesma possa carregar, sem necessitar de ninguém, nessa mala-ideal  as roupas têm que "conversar" entre si, naturalmente podendo ser tão versátil quão variada.

Pois bem, nessa linha da teoria Minimalista e da Mala-ideal, tenho gastado meu tempo pensando em meus "carregamentos móveis" - par perfeito de sonoridade e sentido (pena eu não ter inventado esse termo antes....). Olho ao meu redor e me pergunto: "isso vai? isso é necessário? isso terá utilidade? isso eu posso carregar?" Preciso me dar conta de que o peso que conseguirei carregar será pouco e o espaço será pequeno, portanto, o volume (novamente o volume!) tem de respeitar o percentil mínimo.

Ao passar os olhos e descartar as coisas (pensando somente em sua essencialidade de funções) quase tudo se torna dispensável. Também, vendo por outro ângulo, quase tudo se torna multifuncional, se umas coisas puderem substituir outras. Bem, mas nesse passeio de olhos pela casa, pelos móveis, vou fazendo um inventário mental: do andar de cima, com certeza, vão os livros (mas não todos); meus papéis guardados (mas não todos); a máquina de escrever antiga, a máquina-registradora (a qual será minha peça-prima na decoração da nova sala.... decoradores de interior, preciso de vocês!!!! )*. Do andar de baixo, os pertences dos meus filhos; as louças decorativas de mamãe; minhas roupas; alguns CDs; toalhas, toalhinhas e pecinhas de crochê ganhadas da Tia Julieta ao longo da vida ou herdadas de minha avó. Queria levar a geladeira e a máquina de lavar. Mas são muito grandes. Vão caber em meu novo espaço? Acho que vou deixá-las. Minha filha me fez lembrar das bicicletas... É tudo. Ao mesmo tempo esse tudo é tão pouco! Talvez tenha esquecido uma ou outra coisinha (preciso "perder" mais tempo nesses pensamentos), mas fico me perguntando: "Precisarei de um carregador para meus carregamentos móveis? O que deixarei de herança?"

Preciso esclarecer que muito dessa Teoria Minimalista se deve a dois fatores:

1) Sempre tive um espírito muito livre. Já viajei muito e já mudei muitas vezes de casa, cidade e país. Por isso desenvolvi um, digamos, lado prático.

2) Sempre cumpri sozinha a minha jornada. Rodeada de amigos ou mesmo fazendo muitos irmãos ao longo do caminho, mas sei que minha caminhada é individual. Por isso, desenvolvi uma habilidade em levar comigo apenas o que eu possa carregar.

Além disso, nos últimos tempos desenvolvi uma relação de amor e ódio com muitos de meus objetos e com quase todas as minhas plantas. Os primeiros, porque foi a maioria deles que se impôs a mim, sem pudores ou pedidos de licença. Foram chegando atabalhoados, herdades, vindos de outras casas ou comprados às pressas, satisfazendo mais as necessidades urgentes de precisão que de prazer ou satisfação por possuí-los.

Já as plantas, porque elas são muito teimosas. Várias vezes quis deixá-las morrer. E elas resistiram. No final, quis reavivá-las. Mas elas resistiram! Se negaram! Em janeiro eu arrastei todos os vasos, tirei todos os matos, aparei todas os galhos secos, afofei todas as terras, fertilizei cada uma das folhas... Até plantei onze-horas lindas! (essas, sim, vingaram em três cores: branco, rosa e escarlate). Mas as outras plantas! Resultado: unhas estragadas, espinhos nas mãos, dois dias de cataflan e dor nas costas. E elas? Secas, inertes, pálidas, meio entregues mais às intempéries e ao cansaço que propriamente a um recomeço de vida verdejante.

Resumindo: foi disso tudo que tirei a sensação de que com alguns objetos e algumas plantas eu não preciso mais me relacionar, já que deles posso me separar sem problemas ou litígios. Posso deixá-los ao acaso, para a posteridade. Embora sinta remorsos. E culpa. E até uma saudadesinha antecipada já despontando...

Carregamentos móveis

 (suspiro)

Então, tento manter a calma. Preciso me conter para poder continuar.

Hoje não vou precisar tomar nenhuma atitude.

Hoje não vou precisar carregar nada. 

Hoje não vou precisar partir.  


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Notas de esclarecimento:

* É claro que aqui preciso fazer uma notinha muito importante. Foge ao texto em si, mas tem tudo a ver com o meu momento! É que vejo, sinto minha evolução... estou começando a "aceitar" em vez de tanto querer "ser aceita"...  Para os que me "leram" antes, ou mesmo para os que me conhecem, os que sabem da "persecutoriedade" em mim do signo que me rege, sei que compreenderão o quanto essas palavras fazem sentido. Venho me redimir com os sofás, almofadas e relógios de parede centralizados...

** A segunda notinha é uma espécie de "mea culpa" antecipado. Pode parecer que estou sendo irônica ou querendo magoar pessoas muito importantes para mim. Mas não é; é o oposto. Quero dizer que posso transitar pelo lado estético da vida (com dificuldade, tateando), mas, principalmente, pedindo e aceitando ajudas.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Morri um pouco

"Viver não é fácil..." -  reclamamos diariamente. 

Mas quando nos deparamos seguidamente com a morte, penso que morrer não é fácil... Hoje, de novo, eu morri um pouco. São tantas as perdas, tantas as dores, que tenho me sentido no automático...

Recebi a notícia da morte de uma amiga... e aquele emaranhado de imagens da adolescência desabaram na minha cabeça, misturando lembranças, conversas, risadas, emoções fortes... parece que um portal do tempo se abriu e o passado se misturou ao presente no aqui e agora. Posso voltar a abrir a janela do meu quarto de adolescente e rever minha amiga lá, tocando violão, fazendo bagunça... Posso fechar os olhos e me ver passeando pelas ruas do meu bairro, indo ou voltando para o colégio, ou indo para a casa dela. Mas, então, quando eu abro os olhos... vejo que estou só, em outra cidade, quase trinta anos se passaram, e, em vez de rir...

Não quero nem me dar o direito de chorar... a culpa é minha por ter deixado tanto tempo passar...
Claro que fomos limitadas por barreiras físicas: eu morei em Lisboa, ela morou no Japão... mas isso foi no século passado... se mesmo assim continuamos nos falando, escrevendo... por que não continuamos depois, aqui? Por que eu não continuei?

Vejo como é errado a gente se afastar dos amigos... o fato de termos um bom sentimento, lembranças agradáveis, não é o bastante! Ah, se eu pudesse aprender a lição... Tantas vezes eu me fecho, eu me isolo, eu tenho vergonha dos meus sentimentos ou dos problemas pelos quais estou passando. Tantas vezes eu me fecho em mim mesma, até mesmo pra preservar o outro... só agora eu vejo que isso não me ajudou em nada, só me isolou.

Ontem assisti a uma matéria no jornal, dizendo que poderemos viver até os 150 anos. Na hora mesmo eu pensei que só seria bom se tivéssemos com quem compartilhar... imagine só: você, com boa saúde, boas condições físicas, experiência de vida, até, quem sabe, um dinheirinho da aposentadoria, talvez cheio de netos adultos, algum filho?, parentes?, mas, então, quer conversar sobre os seus assuntos pessoais e preferidos (provavelmente do século passado), quem irá te fazer companhia?

Eu fiquei pensando, com quem iria recordar as viagens que fiz, os shows a que assisti, os poetas preferidos, colegas e professores da escola, histórias engraçadas, fatos políticos, tudo!?, quem iria fazer coro comigo: - "É mesmo, vivemos tudo isso". Quem? Sendo assim, se não for rodeado de amigos e pessoas que nos fazem a diferença, pra que viver até os 100, 150 anos? 

E, é claro, que um pessimismo caiu em cheio em mim, envolvendo todo o meu ser. Pra que tantas lutas? Tanto empenho? Tanto sofrimento? Pra que querer ser aceito, querer melhorar, querer ultrapassar barreiras e limites? O fim é tão só, tão triste... Relembrei do Ira! e dos Meus dias de luta:

"Só depois de muito tempo 
Comecei a refletir
Nos meus dias de paz
Nos meus dias de luta

Se sou eu ainda jovem
Passando por cima de tudo
Se hoje canto essa canção
O que cantarei depois? - O quê?"


Sei que agora, neste exato momento, só me resta esperar o tempo passar, lavando minhas dores e angústias e torcendo para que a minha mais forte característica fique: a fé. Essa mesma fé, que me traz tanto sofrimento, é o que vai segurar meu espírito dentro de mim, pra que eu também não vá embora. E não estou falando de fé religiosa. Trata-se da fé como força, como crença, como esperança. E embora hoje eu sinta desesperança, eu sei que o tempo vai passar. Vai levar o que for preciso e vai me deixar melhor. Eu tenho fé...   E, então, também me lembrei de Flores...



"De todo o meu passado
Boas e más recordações
Quero viver meu presente
E lembrar tudo depois...

Nessa vida passageira
Eu sou eu, você é você
Isso é o que mais me agrada
Isso é o que me faz dizer...

Que vejo flores em você!...

De todo o meu passado
Boas e más recordações
Quero viver meu presente
E lembrar tudo depois...

Nessa vida passageira
Eu sou eu, você é você
Isso é o que mais me agrada
Isso é o que me faz dizer...

Que vejo flores em você!
Que vejo flores em você!
Que vejo flores em você!
Que vejo flores em você!..."

** Numa estrela cintilante!


quinta-feira, 30 de junho de 2011

Ontem envelheci 10 anos

Atingi a maioridade. Fiz 21 anos mas parece que envelheci dez. Mas, ao invés de querer voar, passei a ficar ranzinza. Achar normal engordar. Não ter vontade de tomar banho ou cortar o cabelo. Não sair. Não rir. Não achar nada legal pra fazer. Tenho me sentido ordinária, vulgar, comum, mesmo. É que vivo num jogo de esconde comigo. Sou apenas alguém comum. Não sou. Às vezes gosto. Às vezes, não.

Tenho sim (tenho mesmo!) amigos que me elogiam e me elevam, e sinto que cometem crimes comigo: fazem-me acreditar que - destoando de minhas definições próprias - eu possa me tornar alguém especial. E nesse balé de contratempos vou me perdendo ou me encontrando de mim mesma, do que fui, sou, serei ou pensei que alcançaria ser.

Alguém poderia me responder se é possível viver sem um relógio centralizado na parede? Ou melhor, alguém poderia fazer coro comigo? E porque é que eu me incomodo tanto? Eu penso tantas coisas dentro de mim. E penso sempre de dentro pra fora. Nunca reparei num conjunto de almofadas. Isso é errado? Tenho visto as pessoas serem bem sucedidas de acordo com a capa. Enquanto eu, que tantas vezes revisito o meu interior, não consigo me propagandear. Não consigo dizer: - "Ei, eu estou bem! sou decidida, determinada, forte até morrer! sigo há tempos numa jornada sem fim, mas estou bem! Minhas roupas não combinam e meu sofá é velho, mas estou prosseguindo..."

Sabe aquela velha e preconceituosa piada do sujeito que não consegue ser o bastante para ser engenheiro e nem tão pouco para ser arquiteto? Vira, então, decorador de interiores... Isso é horrível. Confesso. Mas é o que tem ecoado em mim nestes últimos dias. Alguns decoram interiores e eu procuro descobrir os meus terrenos internos. Isso me faz melhor? Não, se no fim sou eu quem sofre. O decorador olha pro teto, mede o chão e define: cabe; não cabe; fica bem; não fica. Ele é assertivo. E eu? Meus terrenos interiores são vastíssimos e não me permitem ser categórica. Piso sempre em areias movediças. E sempre cometo o erro de não ser cautelosa: vou com tudo, me jogo, me esbaldo. Tenho fé e acredito piamente no que é apenas um aceno, uma promessa... depois me acabo de chorar com a dúvida, a incerteza, a vontade de querer continuar acreditando. O meu tempo não é contado pelo relógio da parede. O meu descanso nem é físico. Meus sonhos não são gestados no sofá da sala. Acho que é por isso não consigo prestar atenção nas almofadas...

Mas não quero mais discutir com os decoradores. Quero aceitá-los, conviver com eles, embora sinta que tenho de lutar para ser aceita como sou - ou penso que sou, ou penso que mostro que sou. É difícil transitar pelos mundos. Por mais que eu tenha experiência em ser peregrina. Não quero mais ser apenas alguém comum. Quero ser apenas alguém normal... Mas então, uma vez conhecido o Fernando, é inarredável em mim o sentimento de ser estrangeiro. Aqui como em qualquer parte. É a minha sina. O meu fado. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira ...

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Homenagem ao Fernando

Hoje Fernando faz anos.
E está só. Novamente. Assim como eu.

Hoje Fernando tem dúvidas, angústias, queixumes.
E está só. Novamente. Assim como eu.

Hoje Fernando se sente reles, vil, baixo.

Hoje Fernando se deita na relva e conhece a realidade.

Hoje Fernando é um eterno estrangeiro - aqui como em toda parte.

Grandes goladas de ar suspirado fizeram Fernando engasgar.
Assim como eu.

Uma vez Fernando disse que em sua biografia só havia duas datas: nascença  e morte - e entre uma e outra, todos os dias seus. Hoje é teu dia, Fernando, mas também é o meu. Embora não tenhamos nada em comum, embora sejamos opostos, sexos distintos, um século distado e sequer tocássemos as mesmas bordas do tempo, eu provei das águas do teu rio. Ao banhar meus pés e mãos nas águas de tua aldeia, pude saber tudo. E, do cimo de tua casa caiada, vi tuas paisagens, senti teus aromas de figos maduros, toquei a rugosidade das cortiças e vislumbrei os amarelos dos girassóis. E eu me deixei ficar por ali. Feitiço? Aquela relva, aquele vapor, aquela tabacaria, tudo misturado em mim. As águas de um rio, as águas do rio, rio, rio, rio...

Fernando-sabido, Fernando-escondido, Fernando-em-flor: nasce, cresce, vive, desabrocha em dor...e está só. Novamente. Assim como eu.


"Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.
 Mas finge sem sentimento.
 Nada ´speres que em ti já não exista.
 Cada um consigo é triste.
 Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,
 sorte se a sorte é dada."

Eu me vesti para a festa

Eu me vesti para a festa.
E eu me arrumei.
Me olhei longamente no espelho.
Observei meu rosto: os olhos, a testa, rugas, sinais de expressão.
Fios de cabelos brancos despontando.
Novamente meu olhar cruzou o espelho e atravessou a fronteira palpável.
Quem era eu ali? Quem eu procurava dentro daquela imagem?

A hora chegava.
Estaríamos lá.
Todos.
E isso era o que eu pensava naquele dia enquanto me arrumava.
Eu me arrumei e me culpei.

O fato de ter ido ao evento, alegre e triste, me matou um pouco por dentro também.

A festa era de despedida...

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Longe

Estive ausente nos últimos dias.

Assim como acontecem as constipações de outono, a fraqueza me pegou em cheio. E, como era de se esperar, a quem quer que seja e que esteja com baixa imunidade. O fato é: minha alma partiu-se em mil. Estive doente de alma.

Quis chorar: não consegui. Quis gritar: encabulei. Quis pedir socorro: fraquejei.

Segui, então, na minha vidinha rotineira, sendo grata pelo sol que ilumina minhas manhãs; por eu saber fazer uma xícara de café; por ver que minha orquídea dará a segunda florada; por escutar pássaros no jardim...

Caminhei para frente e olhei para cima, mas na verdade sinto um grande soluçar, uma dor e uma tontura que quase me impedem de prosseguir.

Quero abraçar meus amigos e ser por eles abraçada. Mas como anunciar isso de forma simples? Sem assustar ninguém? Estou tão longe...

Então esperei. O que podia passar, passou. O que devia ficar, ficou.

Percebi que não gosto mais do frio. Que qualquer pedacinho de papel na rua pode evocar lembranças. Que tudo é rápido e demorado ao mesmo tempo - deve ser por isso que uma simples hora tem muito mais que mil segundos...

Carta registrada

Acabei de receber um envelope com letras grandes e redondas marcando o meu nome.

Meu nome inteiro, que rima com as palavras amor de menina, que minha mãe gostava de pronunciar. Só faltava estar escrito "para a senhorita Amor de Menina".

Sim, o envelope era de minha mãe. Carta registrada, enviada pelos Correios. Envelope manuscrito. Quem tem mãe professora sabe como é bonita a letra da mãe da gente. Inigualável e única, como a própria remetente.

Mas esse envelope é muito triste. Marca uma primeira correspondência no singular. Tem uma urgência burocrática e é frio como todos os formulários o são. E eu nem consegui abri-lo ainda, apesar de já saber do seu conteúdo.

No entanto, o tamanho da caligrafia de minha mãe imprime seu amor... seu gesto revela tanta preocupação, tanto zelo, tanta praticidade. Mas o que eu gostaria mesmo é que essa carta me trouxesse os poemas da mãe... que dentro do envelope tivesse um papel perfumado e amarelado com dizeres tais como: quisera dizer-te coisas, que trago no coração...

Mas vou abrir o envelope. Vou assinar os papéis e remetê-los. Sei que isso vai deixá-la mais tranquila, embora ache que é cedo, desnecessário.

Se não soubesse que os papéis iriam diretamente a outro destinatário, dentro colocaria um bilhetinho: "assinado com amor".

sábado, 30 de abril de 2011

A Revisora

Este texto é dedicado a O Capista, que me fez recordar de mim mesma
 e a RJS, que caminhou comigo

Aprendi a ser revisora numa mesa de bar, num dia 31 de dezembro de um ano que nem me lembro mais. Meu amigo e ídolo na época, revisor por sete anos de trabalhos forçados - como gostava de enfatizar -, me ensinou os primeiros sinais. Sim! Naquela época a revisão era feita no papel, digo, nos originais, com sinais próprios que indicavam qual emenda deveria ser feita.

Naquele fim de tarde no bar, em frente ao CCSP (Centro Cultural São Paulo), onde autores independentes vendiam suas poesias mimeografadas e nos abordavam com aquela famosa frase dos anos 70-80:  "você gosta de poesia?", eu começei a formar a minha bagagem cultural mais importante: tomei posse de um poder infinito - bem, pelo menos, essa era a sensação que eu tinha! Escusado será dizer minha pouca idade e inocência à época! Para mim, conhecer aqueles sinais, saber utilizá-los, era ter uma força, um domínio sobre o texto e as palavras que me alçavam do lugar de simples mortal para o patamar superior dos amantes e conhecedores da língua pátria (mátria!).

Grandes autores e jornalistas das antigas haviam começado suas carreiras compondo tipos, fazendo revisão, enveredando por redações de jornal e tendo intimidade com suas máquinas de escrever.... eu achava que já estava no caminho! Filha de professora de português, que havia tido escola de datilografia, desde criança eu convivia com os livros e o som das teclas.... que amo até hoje! E pensei (sonhei) seriamente em também fazer parte desse universo mítico entre a criação e a produção de textos. 

Comecei pelo jornalismo e terminei pela língua portuguesa. Antes mesmo de ter o meu diploma, trilhei o caminho da revisão do começo ao fim: trabalhos acadêmicos, teses, pequenos artigos, jornaizinhos de bairro, empresas pequenas, assessorias de comunicação, prestação de serviços para editoras e agências de publicidade e propaganda, até chegar em editoras pequenas e médias. Parei aí. Mais de vinte anos de carreira se contar desde o princípio! Eu amava ser revisora. Acho que nasci pra ser revisora. Mesmo com todas as agruras da profissão.  Ah, as agruras!

Bem que o meu amigo havia me alertado! "Trabalhos forçados". E eu não havia entendido de primeira! Trabalhos de urgência, de última hora, nos feriados.... trabalhos em tempo recorde, em que eu almoçava e jantava com o texto ao lado; trabalhos que iam dormir comigo e à noite me acordavam me questionando, me indagando se eu havia feito desta ou daquela maneira... e as interrupções? quantas vezes o editor me pedia exclusividade naquele texto, urgência máxima, e depois ficava me ligando a toda hora pra tirar dúvidas, trocar o capítulo porque o autor mudou,  ou  pra eu acompanhar a segunda revisão de outra obra, mais urgente ainda? E como acompanhar cabeçalhos e rodapés de páginas que continham o título da obra? Quase sempre eu recebia um material com a seguinte indicação: o título é este mas ainda pode mudar. Se quiser, pode sugerir uns dois ou três!

Citando e parodiando meu amigo O Capista, também temos a revisão Frankestein! Imagine um livro de 500 ou mais páginas dividido entre dois ou três revisores... a personagem principal pode se chamar Neusa até a página 200 e Neuza daí até o final. Tá bom só pra ilustrar? Isso, sem contar com o estilo próprio de cada revisor: 

1) Revisor-cabeleireiro: aquele que sai "tesourando" o texto alheio;
2) Revisor-paranóico: aquele que tem medo do autor e não muda nada;
3) Revisor-superparanóico: aquele que tem medo do autor E do editor;
4) Revisor-megaparanóico: aquele que tem medo de o "outro" revisor ser melhor que ele;
5) Revisor-vernáculo: aquele respeitoso só aos cânones de Napoleão Mendes de Almeida e cia.;
6) Revisor de 2a. : só confere a segunda leitura, se um erro passou, culpa do primeiro!
7) Revisor que só segue o Aurélio;
8) Revisor que só segue o Houaiss.

E por aí vai... não consegui ser tão criativa e engraçada quanto meu nobre colega, mas tentei mostrar um pouco da "síndrome de pânico" que me atacou nesses anos todos revisando... Os causos são inúmeros, as questões a serem levantadas, infinitas! As nuances, enormes! O fato é que eu mudei de profissão.

Há mais ou menos uns quatro anos não reviso nada! Abro apenas duas exceções para dois autores que conheço. Um, jornalista. Escreve livros de poemas. Belíssimos. Autor independente que canta sua terra e suas memórias. Outro, geólogo. Autor de trabalhos científicos interessantíssimos, que mesclam as primeiras descobertas e descrições das cavernas no Brasil com  hábitos de quirópteros, vulgo morcegos, e formações rochosas.

Pois bem, durante muitos anos, os erros tipográficos (e os outros também) me assombraram no escuro da noite e no claro do dia! Como Sacis de Monteiro Lobato (como ele mesmo os definiu), tais "erros" pulavam pra fora da página me gritando: você deixou passar um! você deixou passar um!

Você, caro leitor, pode tentar imaginar o que é revisar uma obra de 200, 300 páginas e tê-las inteiras na cabeça durante esse trabalho, dar o melhor de si, revisar uma segunda vez, conferir sugestões, conferir as emendas e depois, obra impressa, cheirinho de tinta, você abre uma página ao acaso e pá! um golpe na boca do estômago: uma palavra você sem acento; a falta de um ponto final; uma sílaba separada erroneamente... na verdade, foi um "erro-Saci" que brincou de esconde-esconde o tempo todo e resolveu aparecer no dia do lançamento, na noite de autógrafos, ou pior, na cara da editora... e você (com acento) ali, sem chão....

Mas não pensem que fraquejei! Não, corajosamente passei por todas as etapas, lidei com todos os textos, também com fracassos e sucessos, pois broncas e elogios andam juntos nessa carreira... mas resolvi mudar. É difícil, mas resolvi mudar. 

A revisora deu lugar a outra profissão. Que é mais estranha ainda! Cada uma que me aparece! Mas não vou contar não! Não pensem em bobagens! Fica pra próxima. É que eu nem assumi meu cargo ainda, tenho medo que ele se evapore no ar só pelo simples fato de ser mencionado... Quero ver o preto-no-branco, as letras de meu nome impressas no Diário Oficial.... vícios da antiga profissão! Ah, e ainda teimam em escrever meu nome com "d" pequeno! Sou de família italiana! Italiana! Ninguém faria isso com o De Niro! Mas só vou pedir pra corrigir depois....



PS.:  1) O primeiro amigo citado é RJS, desde os remotos tempos da faculdade e dos bares da vida. É hoje um renomado jornalista. Sempre foi uma pessoa íntegra, idônea e ética. Como recompensa de seu árduo trabalho e esforço, tem uma vida feliz, tem sucesso, tem atributos morais e econômicos, e tem a presença de Anita para alegrar a festa!  

PS.: 2) O segundo amigo citado trata-se de O Capista. Vi por acaso o seu blog e achei muito interessantes as suas observações sobre a profissão. Tomei a liberdade de chamá-lo de amigo sem nem mesmo o conhecer. Espero que ele não se importe.

PS.: 3) Certamente haverá um "erro-Saci" me espreitando nestas entrelinhas... não o desconsiderem, por favor! Podem me avisar que terei o maior prazer em corrigi-lo - só pra não perder o hábito....



sexta-feira, 29 de abril de 2011

Vitória

Ela nunca esteve tão longe e tão perto ao mesmo tempo

Simples - e miticamente - ei-la:

VITÓRIA

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Matei minha própria barata e fui embora

Engraçados os seres humanos que somos. Gostamos de falar que somos guerreiros e dignos. Altivos. Abrimos o peito e nos enchemos de orgulho para dizer que matamos um leão por dia. O que ganhamos com isso?

Ontem matei minha primeira barata. 

Pensei, seriamente, em chamar meu filho para fazer o serviço. Mas lembrei-me de um conto do Carpinejar. Em frações de segundo, enquanto eu decidia o que fazer, vários autores me vieram à cabeça: Kafka, Clarice Lispector, Carpinejar... só que ele estava dormindo (o meu filho, claro). E eu não quis transferir essa tão grande responsabilidade a um jovem de 11 anos. Sei que ele não se intimidaria com a tarefa e desferiria um golpe mortal e certeiro sem o menor pudor ou muxoxos de nojo. Mas decidi que faria eu mesma a execução. Sabia que eu era capaz. 

E "se um dia, vivi a ilusão de que o mundo masculino tudo me daria" ... acabara ali, para quase todo o sempre - com algumas raras exceções, é claro - esse desejo arcaico dos séculos passados.

Nos meus cálculos mentais, achei por bem deixar preparado o plano B, enquanto partia pra ação no plano A. Pensei também que, já que teria de fazer isso, nada de uma morte química, com um asséptico inseticida paralisante. Seria de um jeito brutal: a vassouradas. Pois bem. Tudo a postos. Plano B: deixei a porta aberta para que a coitada pudesse fugir para a rua, caso eu viesse a fracassar. Plano A: a boa e velha vassoura de piaçava (logicamente que por ser mais dura, deveria ser mais eficaz!) e a pazinha ao alcance da mão. 

E lá fui eu, pé ante pé, localizar a inimiga. Zás. Uma, duas, três, quatro lancinantes vassouradas na desgraçada. Ela tentou fugir, mas consegui capturá-la. Ela se contorceu (deve ter gemido). Ela cambaleou, mas por fim sucumbiu. Ficou despedaçada, sem antenas, esmagada.

E eu? Saí fortalecida. Matei minha própria barata e fui embora. Mas fiquei me questionando sobre os efeitos futuros desse ato. O que isso me torna? Guerreira? Vitoriosa? Persistente? Determinada?

Desanimada seria o mais próximo do que senti. (Seria, não fosse um constante policiamento de minha parte para não me deixar abater...). De que me vale tanta força, sair para caçar leões e matar baratas, diariamente?

Na verdade, esse simples gesto abriu um precedente. E essa é apenas mais uma das habilidades que a partir de agora posso incluir no meu currículo.



sábado, 2 de abril de 2011

Minissérie

Série inspirada no 6X6: historinhas curtas, com apenas 6 palavras


PRIMAVERA:
Perfume no ar, cheirando a jasmim.

VERÃO:
Céu amarelo, céu laranja, céu anil.

OUTONO:
Sol claro, vento fresco rodopiando folhas.

INVERNO
Lua cheia no céu azul-marinho.

APARTAMENTO:
Descompasso urbano: máquina grande,varal pequeno.

PARTIDA:
Gavetas abertas, cabides vazios, agora fui.

MISERÊ:
Geladeira de dieta: alface, maçã, água.

DEFESA:
Três trancas na porta. Neurose ativada.

ACONCHEGO:
Eu sozinha mais a pipoca quentinha

TÉCNICA:
Ele ataca, ataca, ataca. Se defende?

CORRIDA:
Eu corro. De quê? Não sei.

ESPAÇO
Sozinha na cama grande: espaço demais.

DIVERSÃO
Frescobol: felicidade ao alcance da mão.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Constituição humana

Pele, 

ossos,

músculos,

carne.

Milhões de células.

Complexo sistema geneticamente codificado.

Órgãos que pulsam compassadamente.

Mas, o que ninguém nos explica, 

cientificamente, 

é que somos dotados de alma, 

espírito, 

um sopro divino,

 que nos diferencia, 

nos torna únicos. 

Somos seres de luz 

a iluminar nosso próprio caminho 

e o de nossos companheiros de jornada.

E é o meu espírito que me torna eu mesma,

 l  i  v  r  e

voltada para o bem, o bem querer e o celebrar da vida.

A vida é daqui pra frente

Às vezes a vida nos prega peças, nos faz solitários de nós mesmos. Nos prende em nossa imensa e cultuada liberdade: quando somos presos, nos queremos livres; quando somos livres, buscamos alguém que nos prenda.

Eu mesma. Tenho vontade de quebrar todas as bonecas de barro que tenho. (E olha que são 80 e tantos olhos que me fitam). Tenho vontade de me desfazer de todos os discos - inclusive o do Pixinguinha - tenho vontade de rasgar todos os livros - inclusive o Neruda - e me dá ganas de me desfazer das panelas e gamelas, juntamente com as colheres de pau (e nunca mais pensar naquele Vau). As fotos dos tios e tia, jogar na pia! As fotos do professor Vicente? Chamá-lo demente. Os restos e cacos? Vender barato.

Tenho vontade de voltar ao passado de mim mesma, quando era dona de mim, e buscar na memória a data em que o contrato foi assinado. Rasgá-lo, quebrar canetas, fugir e fazer o que me der na veneta...

Mas então, o peso da realidade me invade. O tempo não volta e sei que a nada fui forçada. Apenas errei. Ou as coisas mudaram. E o tempo evoluiu, juntamente com minhas responsabilidades e problemas.

Eu não posso voltar atrás e tenho muito o que fazer daqui pra frente. Então, por mais lindo que seja o dia, a cidade onde moro, a luz do fim da tarde ou meus sonhos mais antigos, a vida é daqui pra frente. 

sexta-feira, 25 de março de 2011

esperando

esperando. nada mais tenso que isto.

esperar. aguardar. impotentemente inerte.

dores musculares.

dores de cabeça.

dores físicas para aplacar o mínimo que seja uma lancinante angústia perante o nada.

o ser no nada.

o vazio.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Tal qual

Apesar de criança, conseguia saber que era estranho acharem que sua testa parecia com a da avó. Que comparação! As pessoas gostam de falar do olhar, do sorriso, do semblante, da índole e do caráter. Nunca antes ela ouvira alguém encontrar semelhanças na testa. Mas havia alguma razão naquilo. E ela gostava. A testa da avó, sua tez moura, havia ficado como herança. Lado a lado com um enorme conjunto de características genéticas e culturais que, de tempos em tempos, ela gostava de relembrar. A avó, o jeito sempre alegre, carinhoso, protetor. Aquela senhorinha pequena, de fartos abraços, coração aberto, paciência imensa, o clichê das avós do século passado, que já não existem  mais. 

A avó era a primeira a acordar e a última a dormir. A avó estava o tempo todo a trabalhar, sem se cansar. A avó que cozinhava, costurava, tricotava, escrevia cartas e versos, rezava seus terços e levava os netos à missa aos domingos. 

A avó estava sempre perfumada da sua realidade. Seus aromas passavam do café para o leite quente; para suas "fatias de ovo", que era como chamava as rabanadas diárias; para o feijão com toucinho; para as galinhas e sardinhas fritas; para as polentas, sopas e açordas.

A avó estava sempre imersa nos seus ruidosos afazeres, auxiliada por seus eletrodomésticos antigos ligados todos ao mesmo tempo: panela de pressão, máquina de lavar, aspirador de pó, enceradeira, radinho de pilha e máquina de costura. Tudo, é claro, com as novelas da Janete Clair ao fundo e os seus maravilhosos cantarolares de fado. A avó assistia TV até tarde morrendo de sono para o avô não dar bronca nos netos.

Parecer a testa da avó, ao mínimo que seja, é uma honra. Embora alguns vejam de forma diferente, sempre e tudo, embora ela mesma saiba que uma moeda tem suas duas faces, como desprezar lembranças tão vívidas? A neta sabia, sim, o quanto a avó era maior que aquilo tudo. A avó era muito maior que as suas tarefas domésticas, mas nem por isso estaria constantemente estafada, ou numa depressão profunda, como poderiam supor.  A avó do século vinte chorava e cantarolava fados enquanto fazia o almoço. Já a neta do século vinte e um chora e cantarola fados bebendo vinho tinto sozinha à noite.

A testa é a mesma. A tez moura também. Um coração apertado e o gosto pelo fado são atávicos. 


Oração

Obrigada, meu deus, por aqueles que ainda  me amam
Obrigada por eu ainda ter pra onde voltar
Obrigada por eu ter um objetivo de vida
Obrigada por eu ter desejos no olhar
Obrigada pela minha saúde
Obrigada pela minha inteligência
Obrigada pelo meu discernimento

Obrigada, meu deus, por ter guardado os meus amigos
Obrigada por estar viva
Obrigada pelos meus filhos e pelos meus pais

Obrigada por eu ser de uma época antiga
Obrigada por eu ter alguns valores
Obrigada por eu ainda poder chorar

Obrigada por eu ser forte
Obrigada por eu ter fé
Obrigada por eu insistir
Obrigada por eu continuar

obrigada obrigada obrigada obrigada obrigada........

terça-feira, 15 de março de 2011

LUÍSA

Luísa,
teu sorriso é uma divisa
entre um vento forte e uma brisa
que veio me carregar

Luísa,
teu olhar tem uma lua cheia
que por dentro me incendeia
e a cada dia eu posso mais te amar

Luísa,
teus olhos são lua cheia
teus dons, menina-sereia
encantam a alma e o coração vagueia


*****

O vidro da minha janela sem cortina
me reflete menina
Quanto mais eu olho para fora
mais ele me mostra por dentro
Mas quando o meu olhar força o vidro

(da janela do quarto onde velo o sono e os sonhos de minha filha)

e atravessa a imagem
O que eu vejo é uma alma nua e sem rugas
despojada

Por isso acho graça quando
minha filha de dois anos acorda e
me chama de madurinha

Desde sempre, ela já era minha primeira leitora!
Para sempre, ela é minha primeira mentora!

Para minha mui querida e amada filha Luísa, que sempre lê meus escritos e nunca se decepciona, mesmo quando as histórias não são para ela ou não são sobre ela. Luísa é uma alma extremamente feminina: sensível, sensitiva, delicada e forte, linda, sonhadora, moderna, inovadora, uma artista equilibrista das cordas bambas.  Luísa, pura emoção, puro coração. Querida, eu deveria ter desenhado um band aid ao lado do seu coração despedaçado... mas saiba que sempre estarei te amando, sempre estarei segurando sua mão, sempre estarei curando suas feridas. Sei, também, que essas dores irão diminuir com o tempo... é assim a vida, acredite, e você é muito forte.

FELIZ ANIVERSÁRIO !!!!!!!!!!!!!!!!!!

quinta-feira, 3 de março de 2011

Imagens do tempo

Dentre as vívidas e coloridas lembranças que trago, gosto, especialmente, das imagens em preto-e-branco de meu pai. Não sei ao certo se são lembranças ou resquícios visuais das velhas fotos, tantas vezes vistas nos álbuns. Álbuns que minha mãe confeccionava com tanto zelo, escrevendo abaixo a história de cada um daqueles momentos, como ninguém. Anos mais tarde, eu mesma quis reproduzir alguns desses álbuns. Confesso que não tive fôlego nem paciência.

Na minha infância, muitas vezes, em algumas tardes chuvosas - como a de hoje - , minha mãe preparava chá e ficávamos por horas vendo as fotos e ouvindo as histórias daquelas pessoas, personagens de nossa família.

Meu pai aparecia pouco, mas as fotos mais bonitas são aquelas capturadas do passado, da sua juventude, com o seu alinhado terno claro. Essas fotos estampam uma alegria e uma juventude que o tempo levou embora. É curioso ver o passado e constatar hábitos antigos, costumes de uma época, trejeitos que não se conhecem mais.

Os sonhos retratados daquelo moço, cheio de amigos, que saía em turma e registrava aqueles momentos para a posteridade, ainda estão intactos. Bem desgastados, é verdade, mas a emoção que as fotos guardam quase pode ser tocada. Os olhos são os mesmos, o semblante, o sorriso. Memória viva de uma época que passou.

Muito tempo se passou. Uma vida inteira se passou, mas aquele rapaz de terno e gravata, cabelos alinhados, estará pra sempre me sorrindo numa foto em preto-e-branco. E quando eu olhar fotografias antigas, em algumas tardes chuvosas - como a de hoje - , vou me imaginar viajando para o passado e para o futuro. Tudo fica um pouco misturado: o futuro daquele passado, que é o hoje; o passado daquele futuro, que também é hoje; e a mescla disso tudo.  E além de me distrair, passar o tempo, posso refletir sobre as lições de meu pai. Lições que, certamente, nem eu nem ele sabíamos existir. Lições de Caetano Veloso, lições do tempo, do tempo de todos nós. 

  
"És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo tempo tempo tempo...

Compositor de destinos
Tambor de todos os rítmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo
Tempo tempo tempo tempo...

Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo...

Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo tempo tempo tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo tempo tempo tempo...

Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo tempo tempo tempo
Quando o tempo for propício
Tempo tempo tempo tempo...

De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo tempo tempo tempo...

O que usaremos prá isso
Fica guardado em sigilo
Tempo tempo tempo tempo
Apenas contigo e comigo
Tempo tempo tempo tempo...

E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo tempo tempo tempo
Não serei nem terás sido
Tempo tempo tempo tempo...

Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo tempo tempo tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo tempo tempo tempo...

Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo tempo tempo tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo tempo tempo tempo..."


quarta-feira, 2 de março de 2011

DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA

Nota de Esclarecimento:  A senhora Maria Amélia da Silva, residente e domiciliada nesta capital, Belo Horizonte, aos vinte e oito de fevereiro de 2011, nomeia e constitui como seu bastante procurador este relator, escrivão, residente e domiciliado na mesma capital, atuando nesta comarca, com a finalidade de redigir estes termos de Decretação de Falência da sociedade que ora se desfaz, da qual a supracitada fora sócia em partes iguais, outorgando-lhe amplos, gerais e ilimitados poderes para o relato dos fatos e, ainda, para o bom e fiel cumprimento da descrição dos mesmos, a seguir averbados, e, também, para que possam assim ser conhecidos na sua íntegra.

A requerente MARIA AMÉLIA afirma que hoje acordou disposta a decretar falência. Sua própria falência. Falência de sua vida pessoal, pública e privada. Afirma que não aguentava mais. Estava cansada de falar que está tudo bem (seja por qual motivo for).

A mesma declara que suas relações ruíram, sua sociedade conjugal acabara e apenas 50% dos filhos tinham com ela um bom relacionamento. Afirmara ainda que estava mais velha, acima do peso e abaixo da estatura que gostaria de ter. Não fizera pós-graduação. Não falava uma segunda, nem mesmo uma terceira língua. Não dominava a informática. Não dirigia. Não tinha cartão de crédito - o que a alijava das compras pela internet e do mundo dos mortais, e, o mais grave, gravíssimo, não trabalhava - portanto não declarava Imposto de Renda e muito menos podia sustentar-se sozinha.

Amélia relata que havia pensado em se mudar. Mas não tinha para onde. Não tinha dinheiro. Não tinha bens. Não tinha coragem. E, ainda  por cima, tinha medo. Medo e um ranço machista que crê que se a mulher sai de casa não tem direito aos filhos os aos bens. Bens? Que bens? O único imóvel que possuía é assinado igualmente por ela e pela parte contrária, que, apesar de não saber onde fica o açúcar, suas próprias cuecas e com quantos quadradinhos de vidro as janelas são feitas, ainda se presume senhorio e se nega a sair ou a lhe deixar ficar.

Maria Amélia, resignada, se sentia massa falida. Massa amorfamente falida. Contudo, pesquisando, deparou-se com a seguinte definição: abre falência aquele que não consegue arcar com o ônus de suas despesas, o inadimplente.

"Falência é uma situação jurídica em que uma empresa ou sociedade comercial fica impossibilitada de honrar as suas obrigações e realizar os pagamentos devidos aos seus credores, porque o valor das suas dívidas (passivo) é superior ao valor do seu patrimônio (ativo)."

Essa pessoa, definitivamente, não era ela. Maria Amélia conta que sempre honrou suas obrigações e, quanto ao seu patrimônio sentimental, seu ativo é infinitamente maior que o seu passivo.

Faço a seguir a defesa de Amélia: ela nunca deveu nada - a ninguém - nunca pediu, nunca mentiu, nunca traiu. Pelo contrário, ao longo desses anos todos - que não podia  precisar como gostaria - eram vinte, mas a parte contrária conta apenas como 15 - aliás, a parte contrária conta apenas do nascimento do filho mais velho pra cá, como se nada hovesse antes..., bem, ao longo desses 20 ou 15 anos, havia se dedicado ao trabalho árduo, ingrato e não reconhecido de dona de casa prestimosa e mãe zelosa, a tal verdadeira Amélia, a mulher de verdade.

Por sua própria conta e risco, verdade seja dita! Nunca, jamais, em tempo algum, foi pressionada a algo. Até dissuadida já fora, mas havia aguentado firme. Resistiu. Achou que valia a pena. Ela se afastou dos familiares, dos amigos, da profissão, da cidade, dos bens culturais. Abraçou, por vontade própria, outra causa, outra cidade, outra forma de vida. E caiu em sua própria armadilha. Incompreendida aqui, lá, acolá.

E ainda assim Amélia não estava devendo nada: fizera tudo o que deveria ter sido feito, sempre acompanhando de perto o andamento da casa, os filhos e o marido. Ficou sozinha com suas crianças pequenas todas as vezes em que se fizera necessário, em virtude da vida profissional atribulada da parte contrária; ficou sozinha com suas crianças pequenas todas as vezes em que não se fizera necesário, em virtude das festas, passeios ou viagens que ela, simplesmente, não poderia ir por não ter uma outra pessoa que cuidasse dos filhos.

E Amélia ainda passava as camisas, opinava sobre o perfume, fazia bolinhas nos pares de meia e guardava junto com as cuecas na gaveta. Com zelo e alegria. Relata, ainda, que no "retorno do guerreiro", o almoço e o tira-gosto estavam sempre prontos, assim como o copo preferido e as cervejas no freezer - após devidamente higienizadas, é claro. 

As pressões psicológicas, as opiniões divergentes, as atitudes discrepantes não vêm ao caso, já que a tudo Maria Amélia aguentou por acreditar que valia a pena. Com certeza, tinha também sua parcela de culpa (para dar no que deu, nesse descaso em que se transformou aquela sociedade?!). O que lhe doía, contudo, era saber que o público externo acreditava que ela não via a diferença entre eles, os amargores... enfim, nunca fora alienada. Sempre viu tudo, mas sempre acreditou que estaria tudo bem assim, que ainda valia a pena assim.

Mas tudo sempre acaba. Amélia descobriu, sabiamente, que quem muda somos nós - e não o outro. Então ela mudou. Pouco, é verdade. Mas mudou a direção. Na sua viagem de 360°, reencontrou o caminho de onde partiu. Reencontrou o seu eixo. E agora segue pelo outro lado da bifurcação.

Ela pode estar, inicialmente, se sentindo massa falida. Mas não é. Nunca teve medo dos seus investimentos: de chorar suas lágrimas, de tentar recomeçar, nunca teve medo de aguentar mais uma vez. E é exatamente por isso que agora não vai ter medo de escolher seu novo caminho.  O desapego é difícil. Podar hábitos arraigados é difícil. Beber uma cerveja sozinha num bar é difícil. Mas só que agora Maria Amélia sabe que é possível, pois é o seu mais puro desejo.

Enquanto narra esta história, Maria Amélia atravessa o seu olhar por um dos quadradinhos de vidro da janela da sala de visitas (a propósito, são quatro janelas com 40 quadradinhos de vidro cada) e, além das árvores e dos telhados das casas vizinhas, vê uma vida lá fora que também está pronta para ela.

Sendo assim, este não é um aviso de decretação de falência. Mas continua sendo apenas a quem interessar possa, visto que, conforme o estimado jornalista e filósofo Barão de Itararé, "a vida pública é uma continuação da privada..."

Dando tudo por bom e valioso, cessam os efeitos deste instumento a partir do seu desfecho. Por serem verdadeiros os fatos, atesto e dou fé pública.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Se

Se um dia eu pudesse escrever
com todo o sentimento que guardo
minhas palavras sairiam molhadas

Se minhas palavras mostrassem
o tamanho do meu fardo
veria passagens cansadas

Se as palavras mostrassem minha alma
Escreveria nua e despojada de mim
Se minha mente, ao invés de turvada, fosse calma
Iluminaria um caminho sem fim

Sob o signo da Lua

Quem sou eu

nua e crua

Sem essa casca que me envolve?

Quem sou eu

lua nua

Sem as lembranças que me comovem?

Aprumo

Findas as tarefas
é o meu tempo que chega
Olho ao redor e a tudo supervisiono
Me aprumo

Levanto o queixo
Abaixo os ombros
Respiro fundo
Qual será o meu rumo?

Sei que já é hora de ir
Mas o vento frio
e a chuva lá fora
me forçam a ficar

O tempo garoa como eu
e umedamente me diz:

Aguarde mais um pouco
Saiba esperar...

E eu, mais uma vez, aguardo

Mas me aprumo!
Quando tiver de partir
estarei aprumada!

domingo, 27 de fevereiro de 2011

A GRAÇA DA GRAÇA, pelo seu aniversário

Anos 40
Uma menina de laçarotes nos cabelos, nariz fino, dentinhos pra frente e bolerinho manufaturado pela mãe com pele de lebre. Um futuro imenso pela frente, tão grande quanto o oceano que estaria pronta a enfrentar

Anos 70
Uma jovem. Mãe. Minissaia de couro preta, na frente de casa com as filhas e a cachorrinha no colo. Desafios imensos pela frente, tão grandes quanto a jornada que estaria pronta a enfrentar

Anos 2000
Uma senhora. Avó. Nova fase, novos destinos, nova morada. Mudanças tão grandes pela frente - se preciso - e permanências - quando necessário. Sabedoria adquirida, acumulada, experiência de vida

2011
Uma mulher madura. Amiga. Pronta para abraços e conselhos. Pronta para ouvir e para falar. Preparada - sempre - para o que vier pela frente, seja um oceano, a jornada, mudanças ou permanências...

A graça da graça é ser Maria Absoluta na sua força e na sua fé. A graça da Graça é sua doce presença.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Uma outra reportagem sobre a chuva

Está chovendo em beagá. Após 35 dias de calor desértico e sem uma gota d'água, grossos pingos estão  fazendo barulho nas telhas e molhando minhas plantas. O cheiro da terra molhada inunda o ambiente perfumando tudo. A chuva aumenta, mas ainda não molhou todo o chão. As janelas todas estão abertas, mas prefiro ficar sentindo a brisa, o barulho, o cheiro desse início de chuva a sair correndo pra fechar a casa e perder o maior espetáculo...  hoje não vou poder caminhar, mas vai valer a pena...

Uma borboleta veio se abrigar no pé de acerola. Os pássaros pequenos voam em revoada atravessando os telhados e minha cobertura. As gotas estão geladas. Agora há raios e trovões. A chuva aumentou muito. Precisei tirar o ralo para água escoar mais rápido. O vento zune através das vidraças e novamente está entrando água pelas frestas. Mas eu não ligo. Isso não é um problema. Isso é um presente.

Os vidros estão embaçados e refletem a água escorrendo. O vento trouxe a água até mim. Estou toda molhada. Meus pelos, arrepiados. A água é tão pura quanto fria. A água batiza. Torna novo. Nomeia aquele sentimentozinho triste e sufocante de uma alegria maior, infantil. A água lava a alma. Fazia muito tempo que eu não tomava chuva, fazia muito tempo que eu não sabia o que é deixar molhar, bem molhadinho, molhadinho de chuva, fazia muito tempo que eu não cantava "tomar um toró"...

Parece que tudo está se acalmando. O vento vai diminuindo. O barulho é mais calmo. As gotas estão afinando. Os trovões já são mais espaçados, quase um ronronar. Gotinhas pingam. Agora são elas que fazem um barulhinho. Minha roupa está secando colada ao corpo, mas os chinelos  e os pés ainda estão encharcados.

Em algum lugar vai nascer um lindo arco-íris. O sol ainda está por trás das nuvens de chuva. Mas de repente, ela volta. Se eu fechar os olhos, só pelo barulho, posso sentir a direção e o volume. Volume das chuvas. Hoje não haverá volume dos passos. O volume é o do silêncio que a chuva faz. Silêncio na alma de quem pode ouvi-la. Sorte que estou agora, neste momento, ouvindo e respirando junto com a chuva. Na minha varanda, alpendre imaginário, no meu espaço descortinado e quente, abafado pelo sol das cinco horas da tarde... Como é lindo. Posso ter a chuva pra mim. Ela é compassada. Vai e volta. Cadência. É uma respiração profunda, meditativa, provida de som e cheiro. É uma experiência cinestésica.

Mais uma vez aumentou. Já são 45 minutos de chuva. Ela não é linear. Vem em todas as direções. Força meu olhar pra dentro e pra fora, também em todas as direções. A chuva força também as digressões. É curioso esse crescente que compassa as minhas respirações. O som da chuva. O som da água. O som dos trovões. O som do vento. Aumenta e diminui. Torna a aumentar e a diminuir... e o coração se acalma. E o corpo repousa. E a mente se tranquiliza.

Ao longe, uma buzina me desperta e me lembra dos transtornos que a chuva traz, principalmente no trânsito, também para as áreas de risco, me faz recordar das recentes tragédias ocorridas, dos deslizamentos de terras, das mortes, das tristezas, das pessoas que perdem o tudo e o nada que têm. A buzina e o barulho dos carros que atravessam rápido o cruzamento me trazem à realidade. Não sou alienada e tampouco quero me redimir. Mas é que este caos em que se tornou a vida privada do século 21 justifica também um olhar amoroso para a natureza, para a mítica chuva, para um momento de lirismo. Quero me dar o presente de desfrutar a chuva, de observá-la, algo tão simples, prosaico, bucólico. Sou privilegiada por sentir bem a chuva, por sabê-la bem, saboreá-la. Agora só há um chiado, leve. Tudo se acalmou e voltou ao seu normal. Como magia, ela se foi.

 Acabou. 

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Volume

Volume. Substantivo masculino. Palavra trissílaba. Paroxítona. Inicialmente derivada do latim, significando movimento giratório, rolo. Na bibliologia: unidade física de uma obra impressa. Para a geometria: medida de espaço ocupada por um sólido. Pacote, embrulho, fardo. Corpulência, tamanho, desenvolvimento. Intensidade de som ou voz.

Mas volume, atualmente, não significa nada disso. É, na verdade, um mantra.

Volume é a quantidade de passos que consigo percorrer diariamente na minha corrida diária, na qual não me preocupo com velocidades, largadas ou chegadas. Minha mente só pensa nessa palavra antiga de significado recondicionado: volume, volume, volume.

O volume percorrido pelos meus passos é diretamente proporcional à velocidade fugaz dos meus pensamentos. A linha de chegada não é a meta. O volume é a meta.

O esforço, o suor, o cansaço, pensamentos derrotistas, o desânimo, tudo, enfim, é aplacado na minha mente pela concretude da palavra volume.

Por mais difícil que seja, eu me concentro: volume, volume, volume. Só mais um pouco. Vamos lá!

Então, como um mantra, repito a cada passada: volume. E chego ao meu destino.

         volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Para o ano do balanço

Há tempos pensei em escrever algo que falasse sobre um balanço. Seria um texto para uma data redonda, confirmativa, dessas em que a gente se põe a pensar e a fazer balancetes do que se foi ou do que se quer. Planos para o que virá, após cuidadosa análise do que aconteceu.

A idéia não vingou. Não foi para o papel (nem para qualquer outro suporte) e ficou todos esses anos hibernando em mim, mais adormecida que esperta num cérebro, digamos, quase cansado.

Os últimos acontecimentos, porém, (coincidentemente?) têm vindo encadeados ao passado. Pessoas e, juntamente com elas, lembranças e memórias de fatos, circunstâncias, objetos, locais, datas, aromas, sons, cores e texturas me fizeram refletir e transmutar o ano do balanço em  o Ano da Retomada.

Fui adolescente ontem e hoje vejo que já faz tanto tempo! Explico.

Ainda me lembro de quando fiz 14 anos e ganhei de meus avós uma mochila para levar as roupas para a praia, para quando viajávamos de férias... era azul-marinho com alças bege. Cabia tanta coisa lá dentro: chinelos, biquíni, sonhos...

Naquela época, eu era tão livre... costumava andar muito. Andava pela praia, pelas ruas de trás do prédio, ia tomar sorvete tão longe, a meia hora de caminhada. O sabor era sempre o mesmo: doce de leite! Andava com meus amigos da praia ou até ia ver os colegas do colégio que também passavam férias lá. De vez em quando, a gente ia ao cinema (ver filmes velhos pela metade do preço) ou aos parques de diversão, tão comuns para a época. Nunca abri os olhos no trem-fantasma, assim como nunca gostei dos carrinhos de bate-bate...

Já de volta a cidade, com o fim das férias, as coisas mudavam um pouquinho, mas mesmo assim eu sempre tive amigos no bairro, o que me permitia continuar minhas longas caminhadas. Fanny, Patty, Bernadete fizeram muitos roteiros comigo: sorveteria, padaria e qualquer lugar que fosse uma desculpa para dar uma voltinha e aproveitar a tarde. Naquela época da adolescência o lema era "Liberdade, ainda que à tardinha", como dizia o slogan de uma das camisetas engraçadas lançadas pela Chiclete com Banana, revista (clássica!!) de minha geração. 

Tìnhamos um grupo na escola que se reunia toda quarta-feira à tarde, após as aulas. Nossa maior diversão era "almoçar" as porcarias da cantina. Havia um colega que morava na rua da escola e, é claro, que íamos pra lá enquanto nossa reunião de grupo não começava. Ivandro tocava piano. E eu ainda me lembro de ficar pedindo inúmeras vezes pra ele tocar uma música que eu adorava! E mais uma vez ele atendia ao meu pedido. Os acordes ecoam até hoje em meus ouvidos: tan nan nan nan nan, tan tan nan nan nan nan, tan tan ... "menina do anel / de lua e estrela / raio de sol / por sobre a cidade..."

Acho que o carro do pai da Patty era um Opala marrom. Cabíamos todos: pai, mãe, seus irmãos, ela e eu... sempre lá. Seus irmãos eram tão pequenininhos! E como eram amorosos! Beijavam e abraçavam a gente com tanto carinho...

Com a Bernadete descobri uma sorveteria tão longe! Era quase na Av. Tancredo Neves. Mas íamos assim mesmo. Tardes quentes de domingo refrescadas com um único sorvete de casquinha! a grana era curta, mas nossa conversa longa...

A Fanny ia na minha casa e levava o violão. Ficávamos horas cantando no meu quarto de adolescente.

O Jeferson nos levava amoras colhidas do quintal da casa dele. A blusa branca do colégio sempre ficava meio cor-de-rosa.

Eu sempre ia ver as apresentações de balé aquático da Mauê. Era tão especial! Uma amiga aquática, quase uma sereia de longos cabelos negros anelados, presos num coquinho de nada pra não atrapalhar dentro da piscina.

Eu também me lembro de ir a pé na casa da Anna Paula muitas vezes. Ficava na Rua Izonzo. Exatamente no final da rua. Era uma caminhadinha e tanto. Eu voltava antes de ficar de noite.

Essas lembranças todas e muitas outras voltaram de uma só vez, proporcionando uma retomada incrível, de toda uma época, do que vivi, do que pensei, do que quis, do que sonhei... É tudo tão nítido. Foi "ontem". Como eu poderia ter esquecido!?

Na verdade, vejo que o balanço é a própria retomada e já que sou fadada a passar por ambos, que a retomada vença, pois tem sabor, tem cor. O balanço é chato. É matemático. É crítico. A retomada, não. Tem sabor de lembranças, tem sabor de reconquista, tem sabor de recomeço - do ponto de onde se partiu.

E olha que já me vi partida tantas vezes... Sempre recomeçando. Sim. Por isso esse é o Ano da Retomada.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Raciocínio rápido

Naquelas frações de segundo em que se pode pensar antes de responder a uma pergunta, quando todos os mecanismos de defesa são acionados, toda as certezas e convicções são postas em ação, deve-se ponderar todos os fatos e as aparências em questão.

Nessa situação se encontrava Marília Bela. O que poderia dizer para quem a questionasse sobre o seu namorado, sobre o que ele achava dela viajar sozinha? No que teria de pensar para estar segura de sua resposta?

 1)  É verdade ou mentira que essa pergunta está sendo feita?
 2)  Ela ainda teria idade para ter namorado ou é conversa fiada?
 3)  Alguém poderia estar interessado nela ou seria apenas curioso?
 4)  Por que teria de responder a isso?
 5)  Será que poderia mentir a idade que tem?
 6)  Será que ainda poderia ter um namorado?
 7)  Será que é o seu espírito que a deixa jovem?
 8)  Será que iria cair num papo tão bobo, numa cantada tão barata?
 9)  Será que um argumento tão machista iria derrubar toda a sua luta feminista?
10) Será que quem a teve não vê o risco de perdê-la?

Bela, Marília Bela, não sabes que a rapidez de teu raciocínio é tua maior arma? Qualquer que seja a resposta, indubitavelmente, será mais poderosa que tua beleza, mais mortal e mais certeira que um combate de cem mil homens. Bela, Marília Bela, cantada por poetas, musa eterna! Não sabem eles o que de mais belo tens...

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Sapatos novos

Sempre comprei sapatos baratos - ao passo que minha irmã sempre escolheu os mais caros. Os dela duravam uma vida toda, enquanto os meus acabavam logo, estragavam logo, me deixavam a pé. Ela se ria de mim e me dava longas lições, que eu só fingia aprender.

Estou precisando de sapatos novos.

Eis minha dúvida: estou disposta a buscar modelos exclusivos? Estou preparada para procurar e atestar sua qualidade? Saberei usá-los? Eles também durarão comigo? Ou sigo os meus instintos e escolho aqueles que apenas me calçam bem, que estiverem à mão? Os bonitinhos, embora não sejam robustos, podem me servir?

O fato é que não posso ficar sem sapatos. E já faz tempo que deles preciso. Vou precisar me decidir.

Como uma coisa tão simples pode se tornar tão complexa? Como uma coisa tão banal pode se tornar tão fundamental? Basta inverter a ótica, simular outras questões. E se em vez de sapatos, eu estivesse precisando de...        aí é com a sua imaginação, com você, amigo, pois eu não vou contar!


terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O fotógrafo

Era início dos anos 70 e o menino tinha apenas 8 anos. Nem ele mesmo sabia, mas já era um fotógrafo de mão cheia. Digo, de visão cheia. Contemporâneo de Glauber, sem sequer conhecê-lo, compartilhava daquela máxima romântica: uma câmera na mão e uma idéia na cabeça.

Com a maquinazinha ganhada no aniversário de 14 anos, o menino de short e sem chinelos andava pela parte velha da cidade. Andava pela beira do rio, andava pelas mangueiras, andava pelos lados da rodoviária e da ponte (será que já existia a ponte?) e clicava tudo o que lhe chamava a atenção.

Na viagem para Porto Seguro, com os colegas da oitava série, estilo bate-e-volta, lá foi ele com a pequena câmera a tiracolo. Fotos P&B, quadradinhas, com as bordas repicadas, bem ao estilo da época, fizeram a reportagem daquela viagem histórica. Garotos e meninas com calças boca de sino e batas coloridas tiveram a alma e os sorrisos arrebatados em sépia, no qual se reconhecem retratados até hoje.

Teria sido ali traçado o seu destino? Ele já teria a visão de seu futuro? Seus horizontes se ampliariam como numa panorâmica?

Mulheres novas e velhas, mães trabalhadeiras, artesãs amassando o barro e aquecendo o forno, rezadeiras, mulheres plantando e colhendo, lavadeiras da beira do rio, escrevinhadoras de biscoito povoam o olhar desse menino.

Assim como as crianças, muito sorridentes, curiosas, jogando bola, empinando pipa, correndo atrás dos cachorros e das galinhas, brincando com bonecas quebradas, fazendo boizinhos de ossos, fazendo rolar latinhas velhas de goiabada... crianças em grupo - saindo do grupo escolar - crianças com pureza no olhar e que se transformam pelas lentes do menino.

E os homens? com seus chapéus de feltro tentando se proteger do sol, enrugados, parecendo mais velhos do que são, cavalgando, tropeirando, tocando seu gado magro, na lida, plantando o feijão no pó... garimpando, arando, fazendo seus cigarrinhos de palha, vendendo seus produtos no mercado, jogando cartas, tomando suas cachacinhas nas budegas, lá pros lados do seu Lidirico...

Os personagens do menino são muitos, mas são um só. Os personagens e o menino são feitos do mesmo barro daquele vale e a um só tempo se transformam no imaginário coletivo de todo um povo sertanejo e redundantemente forte.

Deve ser por isso que o menino não aguenta a lonjura, a distância. Deve ser por isso que o menino quer voltar. Deve ser por isso que o menino se perde nas ruas grandes da cidade... Que é do menino franzino de short, saindo da boleia e divisando o futuro?

O menino é o fotógrafo que olha o mundo por um quadradinho; que tem, aparentemente, uma visão limitada. Mas quando ele nos deixa ver o resultado, como se amplia! Como se agiganta o menino!

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Ismália

"Quando Ismália enlouqueceu
Pôs-se na torre a sonhar
Viu uma lua no céu
Viu uma lua no mar"
(alphonsus de guimaraens)

Eu sou uma Ismália moderna, lançando bilhetinhos do alto da torre.
Por que escrevo?
 Meus textos são esses bilhetinhos lançados ao acaso, sem destino nem destinatário.

Quem será o nobre príncipe ou fada-madrinha que após ler meus bilhetes lançados ao léu virá me salvar? Virá me resgatar dessa minha loucura, dessa minha clausura, desse meu auto-exílio? Quem será que reconhecerá meus dons, dotes e qualidades? Quem será aquele que me dará a mão e dirá "vem comigo"?

Eu escrevo para dar o melhor de mim.
Para que alguém me reconheça e se reconheça comigo.
 Eu escrevo para que novas histórias possam ser contadas.

Eu escrevo porque a existência é dor e as palavras são um alento.
 Eu escrevo para secar a mágoa.
 Eu escrevo para continuar a ter fé.

Quero crer que as coisas vão melhorar, que terei coragem.
Quero crer que consigo trilhar meu caminho, que tenho valores,
que sou afortunada.

Coleção de coisas boas de se pensar

Quando estou triste, cansada, preocupada ou estressada, gosto de buscar no meu acervo de imagens pessoais aquela que mais se adapta ao momento, aquela que mais poderia me ajudar. São reais ou imaginárias, acontecidas comigo ou não, possíveis ou nem tanto...

beijo na boca; primeiro amor; sorvete de doce de leite; flores coloridas; palavra de mãe; canto de passarinho; declaração de amor; Paulo Zulu; sonho bom; cheiro de mar; colo dos amigos; banho gelado de cachoeira; cerveja geladinha; tirar as botas depois da caminhada; carinho de filho; cheiro de terra molhada; a voz do Frejat e as canções do Cazuza; abraço do amado; arco-íris; pirilampo; gargalhada;


Estou precisando urgentemente aumentar essa minha coleção...

Valentine

Valentine queria pegar o telefone e ligar. Mas era tão difícil! Difícil expor-se para os que estão perto, difícil expor-se para os que estão longe. Ela se fazia sempre de forte, fazia-se mais valente do que era na verdade,
e por isso estava sempre à procura da felicidade nas pequenas coisas. Era, sim, nas pequenas e simples coisas que iria asserenar seu coração.

Até então, amor, dor e esperança havia sido a tríade dos sentimentos que guiavam a vida de Valentine. E para ela ainda era nova e incrível a descoberta de que não era preciso sofrer com a dor.

A dor de Valentine estava guardada, trancada a cadeado numa caixinha. Por isso se sentia segura. Bastava seguir em frente e abrir seus horizontes. Tudo o que seus olhos pudessem divisar seria seu. Daria seus passos para o futuro e deixaria a caixinha quieta, num canto escuro.

Agora, Valentine podia sentir o sol e a alegria das manhãs.

Podia sentir o amor de seus pais e de seus filhos.

Podia sentir o amor dos amigos.

Podia ter cada vez mais novos projetos e se dedicar a eles, enfim, ter seu sucesso e reconhecimento profissional. Valentine iria melhorar, iria progredir.

Podia viajar para paraísos naturais e ser feliz! Mesmo com a dor!

Bastava drenar, de vez em quando, esse sentimento que incomoda tanto quando ela se lembra de que ele existe. Depois de drenado, algumas lágrimas vertidas e o coração estraçalhado, esconde-se novamente a caixinha da dor num canto escuro.

Valentine pode, então, abrir novamente a janela de um dia ensolarado.