segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Se

Se um dia eu pudesse escrever
com todo o sentimento que guardo
minhas palavras sairiam molhadas

Se minhas palavras mostrassem
o tamanho do meu fardo
veria passagens cansadas

Se as palavras mostrassem minha alma
Escreveria nua e despojada de mim
Se minha mente, ao invés de turvada, fosse calma
Iluminaria um caminho sem fim

Sob o signo da Lua

Quem sou eu

nua e crua

Sem essa casca que me envolve?

Quem sou eu

lua nua

Sem as lembranças que me comovem?

Aprumo

Findas as tarefas
é o meu tempo que chega
Olho ao redor e a tudo supervisiono
Me aprumo

Levanto o queixo
Abaixo os ombros
Respiro fundo
Qual será o meu rumo?

Sei que já é hora de ir
Mas o vento frio
e a chuva lá fora
me forçam a ficar

O tempo garoa como eu
e umedamente me diz:

Aguarde mais um pouco
Saiba esperar...

E eu, mais uma vez, aguardo

Mas me aprumo!
Quando tiver de partir
estarei aprumada!

domingo, 27 de fevereiro de 2011

A GRAÇA DA GRAÇA, pelo seu aniversário

Anos 40
Uma menina de laçarotes nos cabelos, nariz fino, dentinhos pra frente e bolerinho manufaturado pela mãe com pele de lebre. Um futuro imenso pela frente, tão grande quanto o oceano que estaria pronta a enfrentar

Anos 70
Uma jovem. Mãe. Minissaia de couro preta, na frente de casa com as filhas e a cachorrinha no colo. Desafios imensos pela frente, tão grandes quanto a jornada que estaria pronta a enfrentar

Anos 2000
Uma senhora. Avó. Nova fase, novos destinos, nova morada. Mudanças tão grandes pela frente - se preciso - e permanências - quando necessário. Sabedoria adquirida, acumulada, experiência de vida

2011
Uma mulher madura. Amiga. Pronta para abraços e conselhos. Pronta para ouvir e para falar. Preparada - sempre - para o que vier pela frente, seja um oceano, a jornada, mudanças ou permanências...

A graça da graça é ser Maria Absoluta na sua força e na sua fé. A graça da Graça é sua doce presença.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Uma outra reportagem sobre a chuva

Está chovendo em beagá. Após 35 dias de calor desértico e sem uma gota d'água, grossos pingos estão  fazendo barulho nas telhas e molhando minhas plantas. O cheiro da terra molhada inunda o ambiente perfumando tudo. A chuva aumenta, mas ainda não molhou todo o chão. As janelas todas estão abertas, mas prefiro ficar sentindo a brisa, o barulho, o cheiro desse início de chuva a sair correndo pra fechar a casa e perder o maior espetáculo...  hoje não vou poder caminhar, mas vai valer a pena...

Uma borboleta veio se abrigar no pé de acerola. Os pássaros pequenos voam em revoada atravessando os telhados e minha cobertura. As gotas estão geladas. Agora há raios e trovões. A chuva aumentou muito. Precisei tirar o ralo para água escoar mais rápido. O vento zune através das vidraças e novamente está entrando água pelas frestas. Mas eu não ligo. Isso não é um problema. Isso é um presente.

Os vidros estão embaçados e refletem a água escorrendo. O vento trouxe a água até mim. Estou toda molhada. Meus pelos, arrepiados. A água é tão pura quanto fria. A água batiza. Torna novo. Nomeia aquele sentimentozinho triste e sufocante de uma alegria maior, infantil. A água lava a alma. Fazia muito tempo que eu não tomava chuva, fazia muito tempo que eu não sabia o que é deixar molhar, bem molhadinho, molhadinho de chuva, fazia muito tempo que eu não cantava "tomar um toró"...

Parece que tudo está se acalmando. O vento vai diminuindo. O barulho é mais calmo. As gotas estão afinando. Os trovões já são mais espaçados, quase um ronronar. Gotinhas pingam. Agora são elas que fazem um barulhinho. Minha roupa está secando colada ao corpo, mas os chinelos  e os pés ainda estão encharcados.

Em algum lugar vai nascer um lindo arco-íris. O sol ainda está por trás das nuvens de chuva. Mas de repente, ela volta. Se eu fechar os olhos, só pelo barulho, posso sentir a direção e o volume. Volume das chuvas. Hoje não haverá volume dos passos. O volume é o do silêncio que a chuva faz. Silêncio na alma de quem pode ouvi-la. Sorte que estou agora, neste momento, ouvindo e respirando junto com a chuva. Na minha varanda, alpendre imaginário, no meu espaço descortinado e quente, abafado pelo sol das cinco horas da tarde... Como é lindo. Posso ter a chuva pra mim. Ela é compassada. Vai e volta. Cadência. É uma respiração profunda, meditativa, provida de som e cheiro. É uma experiência cinestésica.

Mais uma vez aumentou. Já são 45 minutos de chuva. Ela não é linear. Vem em todas as direções. Força meu olhar pra dentro e pra fora, também em todas as direções. A chuva força também as digressões. É curioso esse crescente que compassa as minhas respirações. O som da chuva. O som da água. O som dos trovões. O som do vento. Aumenta e diminui. Torna a aumentar e a diminuir... e o coração se acalma. E o corpo repousa. E a mente se tranquiliza.

Ao longe, uma buzina me desperta e me lembra dos transtornos que a chuva traz, principalmente no trânsito, também para as áreas de risco, me faz recordar das recentes tragédias ocorridas, dos deslizamentos de terras, das mortes, das tristezas, das pessoas que perdem o tudo e o nada que têm. A buzina e o barulho dos carros que atravessam rápido o cruzamento me trazem à realidade. Não sou alienada e tampouco quero me redimir. Mas é que este caos em que se tornou a vida privada do século 21 justifica também um olhar amoroso para a natureza, para a mítica chuva, para um momento de lirismo. Quero me dar o presente de desfrutar a chuva, de observá-la, algo tão simples, prosaico, bucólico. Sou privilegiada por sentir bem a chuva, por sabê-la bem, saboreá-la. Agora só há um chiado, leve. Tudo se acalmou e voltou ao seu normal. Como magia, ela se foi.

 Acabou. 

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Volume

Volume. Substantivo masculino. Palavra trissílaba. Paroxítona. Inicialmente derivada do latim, significando movimento giratório, rolo. Na bibliologia: unidade física de uma obra impressa. Para a geometria: medida de espaço ocupada por um sólido. Pacote, embrulho, fardo. Corpulência, tamanho, desenvolvimento. Intensidade de som ou voz.

Mas volume, atualmente, não significa nada disso. É, na verdade, um mantra.

Volume é a quantidade de passos que consigo percorrer diariamente na minha corrida diária, na qual não me preocupo com velocidades, largadas ou chegadas. Minha mente só pensa nessa palavra antiga de significado recondicionado: volume, volume, volume.

O volume percorrido pelos meus passos é diretamente proporcional à velocidade fugaz dos meus pensamentos. A linha de chegada não é a meta. O volume é a meta.

O esforço, o suor, o cansaço, pensamentos derrotistas, o desânimo, tudo, enfim, é aplacado na minha mente pela concretude da palavra volume.

Por mais difícil que seja, eu me concentro: volume, volume, volume. Só mais um pouco. Vamos lá!

Então, como um mantra, repito a cada passada: volume. E chego ao meu destino.

         volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume volume

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Para o ano do balanço

Há tempos pensei em escrever algo que falasse sobre um balanço. Seria um texto para uma data redonda, confirmativa, dessas em que a gente se põe a pensar e a fazer balancetes do que se foi ou do que se quer. Planos para o que virá, após cuidadosa análise do que aconteceu.

A idéia não vingou. Não foi para o papel (nem para qualquer outro suporte) e ficou todos esses anos hibernando em mim, mais adormecida que esperta num cérebro, digamos, quase cansado.

Os últimos acontecimentos, porém, (coincidentemente?) têm vindo encadeados ao passado. Pessoas e, juntamente com elas, lembranças e memórias de fatos, circunstâncias, objetos, locais, datas, aromas, sons, cores e texturas me fizeram refletir e transmutar o ano do balanço em  o Ano da Retomada.

Fui adolescente ontem e hoje vejo que já faz tanto tempo! Explico.

Ainda me lembro de quando fiz 14 anos e ganhei de meus avós uma mochila para levar as roupas para a praia, para quando viajávamos de férias... era azul-marinho com alças bege. Cabia tanta coisa lá dentro: chinelos, biquíni, sonhos...

Naquela época, eu era tão livre... costumava andar muito. Andava pela praia, pelas ruas de trás do prédio, ia tomar sorvete tão longe, a meia hora de caminhada. O sabor era sempre o mesmo: doce de leite! Andava com meus amigos da praia ou até ia ver os colegas do colégio que também passavam férias lá. De vez em quando, a gente ia ao cinema (ver filmes velhos pela metade do preço) ou aos parques de diversão, tão comuns para a época. Nunca abri os olhos no trem-fantasma, assim como nunca gostei dos carrinhos de bate-bate...

Já de volta a cidade, com o fim das férias, as coisas mudavam um pouquinho, mas mesmo assim eu sempre tive amigos no bairro, o que me permitia continuar minhas longas caminhadas. Fanny, Patty, Bernadete fizeram muitos roteiros comigo: sorveteria, padaria e qualquer lugar que fosse uma desculpa para dar uma voltinha e aproveitar a tarde. Naquela época da adolescência o lema era "Liberdade, ainda que à tardinha", como dizia o slogan de uma das camisetas engraçadas lançadas pela Chiclete com Banana, revista (clássica!!) de minha geração. 

Tìnhamos um grupo na escola que se reunia toda quarta-feira à tarde, após as aulas. Nossa maior diversão era "almoçar" as porcarias da cantina. Havia um colega que morava na rua da escola e, é claro, que íamos pra lá enquanto nossa reunião de grupo não começava. Ivandro tocava piano. E eu ainda me lembro de ficar pedindo inúmeras vezes pra ele tocar uma música que eu adorava! E mais uma vez ele atendia ao meu pedido. Os acordes ecoam até hoje em meus ouvidos: tan nan nan nan nan, tan tan nan nan nan nan, tan tan ... "menina do anel / de lua e estrela / raio de sol / por sobre a cidade..."

Acho que o carro do pai da Patty era um Opala marrom. Cabíamos todos: pai, mãe, seus irmãos, ela e eu... sempre lá. Seus irmãos eram tão pequenininhos! E como eram amorosos! Beijavam e abraçavam a gente com tanto carinho...

Com a Bernadete descobri uma sorveteria tão longe! Era quase na Av. Tancredo Neves. Mas íamos assim mesmo. Tardes quentes de domingo refrescadas com um único sorvete de casquinha! a grana era curta, mas nossa conversa longa...

A Fanny ia na minha casa e levava o violão. Ficávamos horas cantando no meu quarto de adolescente.

O Jeferson nos levava amoras colhidas do quintal da casa dele. A blusa branca do colégio sempre ficava meio cor-de-rosa.

Eu sempre ia ver as apresentações de balé aquático da Mauê. Era tão especial! Uma amiga aquática, quase uma sereia de longos cabelos negros anelados, presos num coquinho de nada pra não atrapalhar dentro da piscina.

Eu também me lembro de ir a pé na casa da Anna Paula muitas vezes. Ficava na Rua Izonzo. Exatamente no final da rua. Era uma caminhadinha e tanto. Eu voltava antes de ficar de noite.

Essas lembranças todas e muitas outras voltaram de uma só vez, proporcionando uma retomada incrível, de toda uma época, do que vivi, do que pensei, do que quis, do que sonhei... É tudo tão nítido. Foi "ontem". Como eu poderia ter esquecido!?

Na verdade, vejo que o balanço é a própria retomada e já que sou fadada a passar por ambos, que a retomada vença, pois tem sabor, tem cor. O balanço é chato. É matemático. É crítico. A retomada, não. Tem sabor de lembranças, tem sabor de reconquista, tem sabor de recomeço - do ponto de onde se partiu.

E olha que já me vi partida tantas vezes... Sempre recomeçando. Sim. Por isso esse é o Ano da Retomada.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Raciocínio rápido

Naquelas frações de segundo em que se pode pensar antes de responder a uma pergunta, quando todos os mecanismos de defesa são acionados, toda as certezas e convicções são postas em ação, deve-se ponderar todos os fatos e as aparências em questão.

Nessa situação se encontrava Marília Bela. O que poderia dizer para quem a questionasse sobre o seu namorado, sobre o que ele achava dela viajar sozinha? No que teria de pensar para estar segura de sua resposta?

 1)  É verdade ou mentira que essa pergunta está sendo feita?
 2)  Ela ainda teria idade para ter namorado ou é conversa fiada?
 3)  Alguém poderia estar interessado nela ou seria apenas curioso?
 4)  Por que teria de responder a isso?
 5)  Será que poderia mentir a idade que tem?
 6)  Será que ainda poderia ter um namorado?
 7)  Será que é o seu espírito que a deixa jovem?
 8)  Será que iria cair num papo tão bobo, numa cantada tão barata?
 9)  Será que um argumento tão machista iria derrubar toda a sua luta feminista?
10) Será que quem a teve não vê o risco de perdê-la?

Bela, Marília Bela, não sabes que a rapidez de teu raciocínio é tua maior arma? Qualquer que seja a resposta, indubitavelmente, será mais poderosa que tua beleza, mais mortal e mais certeira que um combate de cem mil homens. Bela, Marília Bela, cantada por poetas, musa eterna! Não sabem eles o que de mais belo tens...

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Sapatos novos

Sempre comprei sapatos baratos - ao passo que minha irmã sempre escolheu os mais caros. Os dela duravam uma vida toda, enquanto os meus acabavam logo, estragavam logo, me deixavam a pé. Ela se ria de mim e me dava longas lições, que eu só fingia aprender.

Estou precisando de sapatos novos.

Eis minha dúvida: estou disposta a buscar modelos exclusivos? Estou preparada para procurar e atestar sua qualidade? Saberei usá-los? Eles também durarão comigo? Ou sigo os meus instintos e escolho aqueles que apenas me calçam bem, que estiverem à mão? Os bonitinhos, embora não sejam robustos, podem me servir?

O fato é que não posso ficar sem sapatos. E já faz tempo que deles preciso. Vou precisar me decidir.

Como uma coisa tão simples pode se tornar tão complexa? Como uma coisa tão banal pode se tornar tão fundamental? Basta inverter a ótica, simular outras questões. E se em vez de sapatos, eu estivesse precisando de...        aí é com a sua imaginação, com você, amigo, pois eu não vou contar!