quinta-feira, 13 de junho de 2013

Fazendo as contas

hoje faz três anos do fim
hoje faz três anos de mim

olhei para o lado e me perguntei o que mudou, o que mudei
vi uma coleção de medalhas, vi meu próprio porta-copos,
vi pelos de cachorros no sofá
mas não consegui perceber muito mais

isso aconteceu porque abri um velho livro
e em vez de palavras,
aprisionadas,
saíram lá de dentro velhas emoções

foi um susto.

não sei por que tive ímpeto de relê-lo
e nele estava  escrito: Cilene, 36a

eu comecei a me lembrar das emoções que tive da primeira vez
e o quanto ou no que mudei nesses anos todos, quase uma década

e, então, percebi o dia que era hoje.

três anos do fim, três anos de mim

uma ressaca mental me rodopiou
do passado ao futuro do presente
e eu me vi com olhos de ontem,
pensando no futuro, de quando
nunca mais veria aquela praia,
e eu me vi com olhos de hoje,
lembrando que nunca mais revi
aqueles lugares longínquos

e em vez de constatar as mudanças ocorridas,
constatei as certezas que sempre tive
que eu não caibo em mim
e só fez três anos do fim?

um fim que nunca teve começo
um fim de um grande tropeço
um fim de um querido degredo.

E do livro, escrito Cilene 36a,
saiu poeira, saiu riso, saiu lágrima, saiu fome, saiu dor
saiu sonho, saiu esperança, saiu vida, saiu amor
saiu cheiro, saiu chuva, saiu tristeza, saiu cor

E eu fiquei olhando para aquelas páginas vazias
(Com letras que já não me diziam nada)
fiquei pensando no que pensar

se seria preciso preencher aquele vazio
ou se seria melhor sacudir até o fim, até o fundo

Afinal, o que são três anos pra quem nunca teve matemáticas?
datas redondas, comemorativas, festivas
divididas, somadas, multiplicadas
biênios, dezenas, bodas?

Ah, as vezes sinto saudades de ter sido ignorante
aquele que desconhece
aquele que não reconhece
aquele que se sente feliz...

Mas então, eu me lembro que não era assim
e lá do fundo do livro, vêm as saudades de mim

E o que mudou? nada
eu não sabia de nada e não era feliz
eu ainda não sei de nada e continuo não sendo feliz

O que mudou?
Cilene, 45a

sábado, 12 de janeiro de 2013

Caminho reto

Sempre vivi mais lusitana que italiana.
Contudo, minha alma italiana é quem manda em mim.
Sendo assim, falo alto e choro.
Desde sempre.
Brigo e me derreto.
E choro com canções bobas, que me encontram em momentos "di una vera mamma".
Sou eu, entranhada de cebolas, fazendo o almoço.
Chorando.
Pensando no sentido da vida, enquanto preparo um simples almoço de domingo para três.
Mas sinto falta da mesa farta, da casa cheia, das vozes altas, dos homens na cozinha atrapalhando o almoço, levantando as tampas das panelas.
Meu avô, meu pai, meus tios, meus primos, meu marido.
São saudades antigas, que não vou proporcionar aos meus filhos.
Então, me penso igualzinha às minhas avós.
Só que naquela época, sim, a casa era cheia.
Ninguém tinha tempo para escrever enquanto cozinhava!
Apenas sentia.
E elas seguiam fazendo leitões, perus, carneiros.
A casa cheirava bem.
Cheirava a amor.
As festas de Natal duravam dias inteiros.
Um almoço terminava à noite.
E uma existência não era vazia...
Sou uma pessoa de bem e gosto de me sentir assim.
O problema é que eu sofro.
Mas problema meu, se sofro, se choro, se por vezes me sinto triste.
Então, passa.
Sigo em frente.
E sigo esse meu caminho sozinha já há tanto tempo mesmo...
Vou.
Sou.
Mesmo com um caminho duro, pesado.
Eu caminho.
E minha essência é essa.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Visionário louco

Eu já estava dormindo. Eram duas da manhã. Mas elas vieram dos meus pensamentos, dos meus sonhos, e me acordaram. Duas palavras dispostas numa sequência. Uma senha: visionário louco.

Abri os olhos mesmo deitada e fiquei tentando cantarolar. Ainda demorou um pouco, mas acho que mais por causa da sonolência, que pelo esquecimento.

"Numa tarde quente
Num dia de verão
Um visionário louco
Fez um sonho em vão
E você partiu
Para nunca mais voltar
E quando eu olhar
Para o céu eu vou lembrar
De um visionário louco
e sua asa-delta
Meu homem-sagitário"

Essa era uma canção que significou muito pra mim nos meus treze ou quatorze anos. Essa e várias outras que falavam de sonhos libertários, bem típicos da adolescência. Mas não me lembro ao certo se aprendi  essa música com a Fanny, com a Helô ou com a Patty... o que me lembro é que nessa ocasião todas convivíamos muito. Foi a melhor época, a do colégio, quando não tínhamos preocupação nenhuma, apenas sonhos libertários e namorados-sagitários...

Pois bem, estou sempre falando do meu baú de amigos, dos planos de rever os amigos, e me parece que eles estão chegando pra mim. Um pequeno evento começou a ser esboçado, gestado com muito carinho. Um encontro dos colegas do CRM - Colégio Regina Mundi.

Eu não sei explicar, mas sinto como se estivesse num filme do Spilberg, voltando no tempo... eu me esqueço da minha idade (trinta anos se passaram!!) e me sinto realmente com aqueles catorze anos, na oitava série... e mesmo com toda a dor e a angústia sentida - afinal, quem já foi adolescente sabe!! - eu me sinto leve.

Eu me sinto rodeada de amigos, de colegas engraçadinhos prontos a contar umas piadinhas no meio da sala,  eu me sinto naquela vibração.

Naquela época, eu não ficava fazendo planos de ter amigos pra sempre, de manter o contato pra sempre. Quem faz isso?? Tanto é que perdemos o contato. Todos. Por muito tempo. É claro que sempre ficamos mais próximos de um ou de outro, mas cada um seguiu o seu caminho.

Mas trinta anos se passaram. Alguém se deu conta disso? E hoje, eu me sinto mais próxima do que antes... e parece que o sentimento é o mesmo. Parece que, a cada palavra, recordamos os motivos de porque nos tornamos amigos. Reencontramos uma identidade, mesmo a distância.  E foi um pequeno recadinho que recebi que me fez lembrar dessa canção.

Eu estou muito feliz. Por enquanto, apenas virtualmente. Mas espero concretizar logo esse encontro.
Na nossa vida de adultos, carregamos muito peso. Nossa rotina é muito árdua. O redemoinho do cotidiano é implacável como um furacão. Acho que por isso a ideia desse reencontro tem sido tão agradável, pois sei que vai trazer leveza, alegria, uma vibração boa, positiva.

Vamos lá, galera, esse encontro sai ou não sai??????????


quarta-feira, 9 de maio de 2012

Invisibilidade

Todos nós um dia já nos deparamos com a invisibilidade humana.
Não aquela do cinema, de super-heróis vindos dos quadrinhos.
Digo aquela doída, dos excluídos. Marginalizados. Ignorados.
Eu acreditava que o caso mais grave era o dos lixeiros. Que até tese de um professor da USP tem.
Mas ultimamente essa categoria tem se saído muito bem. Não sei se por alguns de seus integrantes, que por força do hábito de lutar pra ser feliz insistem em nos dizer bom-dia para serem notados; não sei se por causa daquele gari famoso pelo carnaval do Rio de Janeiro; não sei se porque sempre saem matérias no jornal e na TV, escancarando as letras nos contando que "até" pra lixeiro existe concurso público; não sei se porque em muitas cidades eles passam correndo alegres para realizarem o seu trabalho fazendo a maior algazarra, enfim, os lixeiros não são mais os mesmos invisíveis de antes. Bem, em tese. Em uma outra tese.
Mas voltando ao ponto do início, da invisibilidade humana.
Da própria invisibilidade humana.
Tenho me esforçado (e muito) para ser apenas alguém comum. Mas carregar essa bandeira não tem sido nada fácil.
Devo estar com a auto-estima baixa, muito baixa, para me incomodar com pequenos episódios pessoais altamente insignificantes, mas capazes de me desestabilizar por completo.
Aquele velho dilema entre essência e aparência (lições aprendidas na infância) tem se tornado vazio nos dias atuais. E, diante disso, tenho me notado invisível socialmente. Não de todo, por completo (graças!), mas no redemoinho do dia-a-dia. E olha, que pra até eu mesma ter percebido, é porque a coisa está feia.
Não que eu me incomodasse - até agora - mas eu não sabia que eu não me via, ou melhor, que não me viam, que eu era invisível. (Tenho um espelho enorme no meu quarto que insiste em olhar pra mim todas as manhãs e antes de eu deitar.)
O fato é que não há fato nenhum. Desde quando eu (ou qualquer mortal, normal da cabeça) devo valorizar pequenas picuinhas, coisinhas de nada, assim à-toa, besteirinhas tão diminutas e fúteis?
Eu, que me considero forte até morrer;
eu, que me considero guerreira de São Jorge;
eu, que atravessei desertos e cheguei ao meu destino...
eu, apenas alguém comum.
Coisinha.
Dona coisinha.
O fato mesmo é que depois que inventaram o conceito de marketing pessoal, eu fiquei meio à deriva. Culpa da educação que tive, educação anti-belicosa, do deixa pra lá.... e de tanto marketar ao contrário de mim mesma, acabei invisível...
e parece que não importa o fato de ser íntegra, idônea, batalhadora, guerreira, determinada, focada, ter um nome limpo e sem dívidas,
e parece que não importa o fato de eu ter tido educação e cultura e poder ter transmitido isso aos meus filhos,
e parece que não importa o fato de ter uma casa, de ter comida em casa, de ter contas pra pagar e pagar pelas próprias contas na data certa,
e parece que não importa o fato de eu ter amigos de longa data, uma bagagem, uma história anterior a esta,
e parece que não importa o simples fato de ter um bom guarda-chuva em dias como o de hoje, entre tantos outros exemplos miúdos.
Mas não se enganem. Os exemplos citados, devem ser apenas impressões. Não é possível, não dá pra realmente acreditar que o mundo deixou de oscilar entre a essência e a aparência, tendendo apenas para esta última. Devem existir outros invisíveis como eu. Miudinhos, encolhidinhos, "vida inteligente na madrugada".
Não sei se vou conseguir seguir a lição aprendida com os lixeiros, a de seguir cantando, fazendo o meu trabalho na maior algazarra, fazendo barulho para ser notada. Fiquei meio derrubada. Mas quem sabe?
Fatos. Pequenos fatos. Invisíveis. Nem sei se os quero mostrar, mas preciso. Então, para quem quiser ler, enxergar, ouvir e ver.
Ver para deixar de tornar as pessoas invisíveis.








domingo, 8 de abril de 2012

Abri meu baú

Abri meu baú de memórias e estou rodeada de fotos sobre a mesa.
Sabia que isso aconteceria um dia, quando aleatoriamente comecei a juntar fotos espalhadas dentro de uma mala significativamente velha.

Agora tento separar em períodos, décadas de meu passado. Fotos da minha infância, dos meus amigos, dos meus passeios, das minhas viagens, dos filhos, dos pais, das situações mais estapafúrdias, das partidas, das chegadas, de namorados, de amigos que se foram, do meu avô, da minha primeira comunhão, de Portugal, fotos tristes, fotos alegres... momentos que tento classificar. Tarefa que sei que não vou concluir.

Como disse, sabia que esse dia chegaria, o dia de abrir meu baú de riquezas.... mas a arrumação não será hoje. Hoje vou me dar o prazer de ver e reviver esses momentos.

Fiquei até as duas da manhã e nem consegui dormir direito. Acordei mal. De ressaca. Tomei um porre do passado. Tantas fotos de festas, bares, e eles sempre lá. Os mesmos! Vi e revi os mesmos amigos aos 14, 17, 20 e poucos, 40... até sonhei que estava indo numa festa e fui barrada, amigos entraram em ação, pulando muros comigo e trazendo a festa até mim.

Quando acordei hoje, de ressaca, meus amigos já estavam guardados na mala, desordenados,  mas a mala aberta, na sala, dialogou comigo o dia todo. Ou melhor, me questionou: o que vou fazer?, como vou buscá-los?, quais pistas eu vou seguir?, quando vai ser o reencontro?

Tenho planejado uma viagem. Aliás, estou plena de ideias, a cada respiro, uma nova ideia brota, mas essa viagem, vai ser um resgate. Fiquei em dúvida entre a ganância e a luxúria. Explico: 48 dias de inverno ou apenas 30 de primavera?

Já me decidi. Escolhi a luxúria: 30 dias de primavera, pois o reencontro que busco são as esplanadas da Avenida. À tarde. Uma vez escrevi que queria que as calçadas conhecessem o peso dos meus pés. E, lá, elas conhecem.... também quero buscar por elas, as calçadas por onde andei, onde fiz meu primeiro caminhar.

Fiquei tentada pela ganância: 48 dias seguidos não são de se desprezar... mas eles seriam no inverno. Rigoroso. Quando os dias são curtos, frios, chuvosos, abaixo de 10º, e infinitamente melancólicos...
Se bem que eu poderia usar o mesmo sobretudo negro e pesado, mais pesado que as dores da alma...

Mas já me decidi: quero a primavera. E quero fazer a viagem dos meus sonhos: vou levar uma mala leve, pequena, fácil de ser transportada. Uma mala-ideal. Já me vejo descendo no Aeroporto de Portela, me deslocando pelas calçadas, às quais me despedi há tanto tempo... ah, não há maior prazer do que chegar a um porto conhecido... sinto isso quando chego em São Paulo, sinto isso quando chego em BH, e agora sinto isso quando chego em Vitória.

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Depois daquela noite, fechei de novo o baú. E parece que me tranquei dentro dele. Como posso ser tão ridícula, fazendo planos? Tenho me tornado especialista. Perita. Em fingir, de certa forma, mentir, em dizer que está tudo bem e que meus olhos não estão querendo explodir em lágrimas.
Tenho saído de fininho, para enxugar a mágoa. Tenho me mantido forte e de pé. Mas minto pra mim e para os outros (não que eu me importe em mentir) mas a verdade é que minto quando digo que sou forte. Porém, estou quase me desmanchando, sinto febre e dores, mas mesmo assim tenho que calçar os sapatos e sair. E mesmo assim ainda não entendo porque alguém me mandou rasgar tudo. Deveria? Que preço estou pagando...


E além disso tudo, o pior, tenho me sentindo ridícula. Fazendo planos e sonhos, pensando em viagem de busca, reencontros, escrevendo coisas, brigando com o Frejat... como sou ridicula e fútil...
Como posso viajar se estou presa? Estou sem portas nem janela. Olho para o teto e não vejo nada.
Quando fui presa pela primeira vez, tive forças, lutei, resisti. Mas agora, anos depois, não me restou nada. Nada. Uma alma em frangalhos e doente. Fraca. Sem forças. Sem esperanças. Sem motivo porque lutar.
Estou presa.
Presa.
Presa.
E estou começando a achar que assim é mais fácil...

domingo, 29 de janeiro de 2012

Uma falsa baiana

A mais animada das praças do Jardim da Penha é a minha. É também a única que tem "barzinhos" com mesinhas na calçada. Tais "barzinhos" são carrinhos transformados em lanchonetes, rodeando toda a circunferência da praça, nos guiando por aromas tão variados quanto os quitutes que podemos encontrar.

Pastéis dividem a clientela com espetinhos, tutus e tropeiros, yakisobas com churros, crepes, sanduíches e bolinhos de bacalhau, bolos e bombons, frango com polenta, cervejas, refrigerantes e sucos, e uma infinidade que só mesmo rodeando a praça para saber, para desfrutar de todos esses sabores nas noites quentes de verão.

Hoje fui rodear a praça. Fui seguindo os aromas. Queria parar onde me chamasse a atenção. E foi lá que os meus olhos pararam. Na barraca da Baiana Aurora. Que vendia acarajé, é claro.

Pensei em sentar e provar. Mas não consegui. Tentei ser tolerante à diversidade. Mas não me foi possível.
e por isso, desde já, peço desculpas.

De pé, ao lado do tacho de dendê quente, a baiana Aurora fritava seus bolinhos. Alta. Magra. Loura. Olhos azuis. Roupa de Chef. Calças compridas.

Parei em frente à sua barraca e fiquei imaginando Jorge, como ele reagiria? João Ubaldo? Tudo bem, diria Caetano, pois toda menina baiana tem um encanto, que deus deu, que deus dá... mas baiana de acarajé magra? loura? de calças? Faço aqui um aparte (também quero me defender de ser chamada de intolerante, preconceituosa, politicamente incorreta e sei lá...). O problema não é o tipo físico em si da baiana, e sim a falta de compromisso com o acarajé...

As baianas de acarajé da Bahia são parte do patrimônio humano imaterial soteropolitano e brasileiro. Mesmo com pouca roda, a sua saia é marcante, a bata, talvez o pano da costa, o ojá na cabeça, as muitas contas em fio e os enfeites... eu sei, eu sei, entendo, a abstração. A baiana estilizada. A baiana em outro estado. A baiana de hoje. A baiana moderna. A baiana chef... A baiana fritando....

Não, pra falar a verdade eu não entendo. Não é a baiana. É apenas alguém fritando bolinhos...

Sei que há quem goste, pois para tudo há um público, mas a falsa baiana Aurora que me perdoe. Não comi o seu acarajé. Nem volto lá. Sou apegada a algumas tradições. E essa vai ser mais uma: acarajé, agora, só com baiana de verdade.









sábado, 28 de janeiro de 2012

Estou com raiva de Frejat

Ele de novo. 

O Frejat.

E tudo o que representa. 
Ou significa. 
Ou simbolizou.

Eu, que já fiz as pazes com Frejat, agora rompi relações.
Outro dia ele me disse (em rede nacional) que estava feliz da vida, radiante, nos seus cinquenta anos, que nunca esteve em melhor momento, tanto em sua vida profissional, quanto na pessoal e familiar.
Como assim?
Como pode?
Eu que ouvi todas as suas canções, baladas de amor, que achei que fossem pra mim?
Eu acreditei, Frejat, que você iria me encontrar "numa fila de cinema, numa esquina, ou numa mesa de bar". Você não sabe o quanto eu venci, pra poder estar nesses lugares... 
Você não sabe quantas barreiras tive que romper....
E agora, agora, que já tenho meu cinema preferido, minha mesa preferida, 
que já fiz meus próprios caminhos... é assim?
Simplesmente assim? 
E todas aquelas promessas? "Procuro um amor, pra recomeçar"
...quer dizer que não era verdade?
"Você me disse que afinou os seus ouvidos"... 
"aquela rede invisível", e "eu vou em frente"...

Rompemos. 

E olha que vai ser difícil eu te perdoar de novo, fazer as pazes.
Agora sou "eu que não sei dizer te amo".

****
Ou melhor. Agora sou "eu que preciso dizer que eu te amo".
Pro Cazuza.


quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Outra Dolores

Dolores. Lola, para os mais próximos. Tanto fazia. O fato é que ela assumia sua identidade sem nenhum constrangimento. Por mais que lhe dessem nomes fortes, brilhantes, guerreiros, não passava daquela pessoa simples, que tinha como seu único feito heroico o fato de ter continuado a caminhar. Para frente.

Dolores acordava cedo todos os dias. Muito cedo. O que àquela altura do ano era um refrigério, visto que o sol já estava a pino muito antes das sete da manhã. Mas o que quero mesmo contar é que para ela acordar cedo era uma bênção, pois, assim, sentia sono à noite e não sofria com as insônias dos meses anteriores.

A noite era para ela a pior parte do dia. O momento em que estava só, consigo mesma, sem responsabilidades, sem ordens, sem metas a cumprir. Estava só, consigo mesma, e por sua conta. E por isso era a pior parte do dia.

Dolores chegava em casa e tirava os sapatos. Tirava a roupa e tomava um banho gelado. Ah, as maravilhas do verão. Abria uma garrafa de vinho e então começava a se despir. Despia-se da boa funcionária que era; despia-se da boa mãe que era; despia-se da boa vizinha que era; despia-se da boa colega que era; despia-se da boa filha que era; despia-se da boa mulher que fora.

Dolores, nua, consigo mesma, sentava sua alma de frente para o computador e começava a escrever. Pensava numa história, num romance, num poema, e as palavras saiam mudas de sua boca, passavam pelos seus dedos, filtradas pelo coração, e se quedavam naquela pequena tela de dez polegadas.

Dolores enchia e esvaziava taças. Às vezes ouvia música, às vezes via tv, às vezes conversava nas redes sociais, tudo ao mesmo tempo em que escrevia e buscava se inspirar.

Dolores gostava de pensar nos grandes escritores do passado, nos grandes poetas. Como deveriam sofrer, escrevendo à luz de velas papéis esparsos; quantos lápis e canetas pousados, enquanto um longo suspiro inundava aqueles ambientes... quantas xícaras de café, quantas doses de cachaça, quantas taças de vinho devem ter sido derrubadas em manuscritos que se tornariam clássicos nos dias de hoje... quanta solidão a escrita provocara...

Então, entre um suspiro e outro, Dolores soltava uma frase. Sustentava o olhar em algo vago, vasculhava sua memória, suas lembranças e ficava procurando um sentido para aquilo que escrevia. Sempre se justificava. Mesmo que aquilo não fosse nada, não tivesse sentido algum, não ficasse para a posteridade - como o pai costumava dizer - ela escrevia. Longe dela, muito longe, querer se comparar a alguns daqueles escritores que evocava em pensamento. Mas, de todo modo, o ofício era o mesmo (ainda que a arte final não o fosse), ofício tímido, único, solitário e sofrido de exprimir-se no papel, espremer-se toda, entre suspiros, soluços, e imagens fluidas, que depois de prontas ficariam ali, pra sempre. Fechadas na gaveta, presas na tela, guardadas na memória. Ninguém poderia rasgá-las. Ninguém.

Mas como eu contei, Dolores gostava de acordar cedo. Muito cedo. E já era tarde. Todos esses pensamentos embriagados já passavam da meia-noite. E mais um dia, graças a deus, mais um dia tinha se passado, sem a angústia da insônia rondando Dolores.

Dolores salvava o texto. Salvava-se. Mais um dia de sobrevivência de Dolores. Amanhã seria outro dia.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Oceano

(Para Leninha, amiga querida, que suavemente me inspirou) 


Troquei o mar por um oceano...

sou peixe, sou peixe, sou peixe...

alguém me fez lembrar
alguém que gosta de mim

Estou no píer. Olho para o horizonte, para o céu azul, coroado de brancas nuvens.
Atravesso o longo deck. O mar está verde. Esmeralda líquida.

Ele me chama. 
Enfeitiçada, eu vou.
Me atiro. 
De cabeça. 
Mergulho.

Meu corpo ondula debaixo das ondas.
Infinitamente.
De repente, aparecem as escamas, a cauda.
Minhas guelras se abrem
Meus braços agora são nadadeiras.
Meus longos cabelos não me atrapalham.
Nadei. 
Infinitamente
por apenas alguns momentos.

Debaixo d'água somos um só: eu e o oceano.

A mesma água salgada que sai dos meus olhos está agora reposta.
Recolocada eu mesma, em meu lugar.

sou peixe, sou peixe, sou peixe.

Saio do mar mas a água fica em mim.

salgada

me lembrando de que ele existe. ele existe. ele existe.

O oceano é maior, é infinito, e também está comigo agora. 

transformado
transmutado

e então vejo que ele e eu somos um só.

Esmeralda líquida.

Água salgada que entra e sai.

sábado, 21 de janeiro de 2012

A velha estação de trem

Eu já me despedi de alguém numa velha estação de trem.
Europeu. Elitizado.
O trem e o meu amor que partiu.

E eu voltei pra casa sozinha, à noite,
dentro de um sobretudo negro pesado,
mais pesado que as dores da minha alma.

O trem e a gare,
Santa Apolónia,
a estação da qual meu amor partiu.

Voltei para casa a pé, mãos nos bolsos,
cabeça baixa
e a certeza de um fim.

Tão jovem, 18, 19 anos,
andando cabisbaixa na estação de trem.

Naquela época, mal sabia eu quantos amores teria pra me despedir.
Um é sempre único.

Cada um é único.
Princípio e fim de uma história singular.

Tantos anos se passaram
outros novos amores vieram e se foram.

E em cada partida a mesma dor.

O som ao fundo, do apito de trem...

A voz rouca, de músicos de jazz...

O barulho da porta se fechando...

O som das chaves, o molho de chaves, agora reduzido à metade...

A vida transportada em sacolas...

A angústia das palavras não-ditas, malditas...

O coração partido e a eterna vontade de recomeçar.