quinta-feira, 30 de junho de 2011

Ontem envelheci 10 anos

Atingi a maioridade. Fiz 21 anos mas parece que envelheci dez. Mas, ao invés de querer voar, passei a ficar ranzinza. Achar normal engordar. Não ter vontade de tomar banho ou cortar o cabelo. Não sair. Não rir. Não achar nada legal pra fazer. Tenho me sentido ordinária, vulgar, comum, mesmo. É que vivo num jogo de esconde comigo. Sou apenas alguém comum. Não sou. Às vezes gosto. Às vezes, não.

Tenho sim (tenho mesmo!) amigos que me elogiam e me elevam, e sinto que cometem crimes comigo: fazem-me acreditar que - destoando de minhas definições próprias - eu possa me tornar alguém especial. E nesse balé de contratempos vou me perdendo ou me encontrando de mim mesma, do que fui, sou, serei ou pensei que alcançaria ser.

Alguém poderia me responder se é possível viver sem um relógio centralizado na parede? Ou melhor, alguém poderia fazer coro comigo? E porque é que eu me incomodo tanto? Eu penso tantas coisas dentro de mim. E penso sempre de dentro pra fora. Nunca reparei num conjunto de almofadas. Isso é errado? Tenho visto as pessoas serem bem sucedidas de acordo com a capa. Enquanto eu, que tantas vezes revisito o meu interior, não consigo me propagandear. Não consigo dizer: - "Ei, eu estou bem! sou decidida, determinada, forte até morrer! sigo há tempos numa jornada sem fim, mas estou bem! Minhas roupas não combinam e meu sofá é velho, mas estou prosseguindo..."

Sabe aquela velha e preconceituosa piada do sujeito que não consegue ser o bastante para ser engenheiro e nem tão pouco para ser arquiteto? Vira, então, decorador de interiores... Isso é horrível. Confesso. Mas é o que tem ecoado em mim nestes últimos dias. Alguns decoram interiores e eu procuro descobrir os meus terrenos internos. Isso me faz melhor? Não, se no fim sou eu quem sofre. O decorador olha pro teto, mede o chão e define: cabe; não cabe; fica bem; não fica. Ele é assertivo. E eu? Meus terrenos interiores são vastíssimos e não me permitem ser categórica. Piso sempre em areias movediças. E sempre cometo o erro de não ser cautelosa: vou com tudo, me jogo, me esbaldo. Tenho fé e acredito piamente no que é apenas um aceno, uma promessa... depois me acabo de chorar com a dúvida, a incerteza, a vontade de querer continuar acreditando. O meu tempo não é contado pelo relógio da parede. O meu descanso nem é físico. Meus sonhos não são gestados no sofá da sala. Acho que é por isso não consigo prestar atenção nas almofadas...

Mas não quero mais discutir com os decoradores. Quero aceitá-los, conviver com eles, embora sinta que tenho de lutar para ser aceita como sou - ou penso que sou, ou penso que mostro que sou. É difícil transitar pelos mundos. Por mais que eu tenha experiência em ser peregrina. Não quero mais ser apenas alguém comum. Quero ser apenas alguém normal... Mas então, uma vez conhecido o Fernando, é inarredável em mim o sentimento de ser estrangeiro. Aqui como em qualquer parte. É a minha sina. O meu fado. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira. Sou estrangeira ...

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Homenagem ao Fernando

Hoje Fernando faz anos.
E está só. Novamente. Assim como eu.

Hoje Fernando tem dúvidas, angústias, queixumes.
E está só. Novamente. Assim como eu.

Hoje Fernando se sente reles, vil, baixo.

Hoje Fernando se deita na relva e conhece a realidade.

Hoje Fernando é um eterno estrangeiro - aqui como em toda parte.

Grandes goladas de ar suspirado fizeram Fernando engasgar.
Assim como eu.

Uma vez Fernando disse que em sua biografia só havia duas datas: nascença  e morte - e entre uma e outra, todos os dias seus. Hoje é teu dia, Fernando, mas também é o meu. Embora não tenhamos nada em comum, embora sejamos opostos, sexos distintos, um século distado e sequer tocássemos as mesmas bordas do tempo, eu provei das águas do teu rio. Ao banhar meus pés e mãos nas águas de tua aldeia, pude saber tudo. E, do cimo de tua casa caiada, vi tuas paisagens, senti teus aromas de figos maduros, toquei a rugosidade das cortiças e vislumbrei os amarelos dos girassóis. E eu me deixei ficar por ali. Feitiço? Aquela relva, aquele vapor, aquela tabacaria, tudo misturado em mim. As águas de um rio, as águas do rio, rio, rio, rio...

Fernando-sabido, Fernando-escondido, Fernando-em-flor: nasce, cresce, vive, desabrocha em dor...e está só. Novamente. Assim como eu.


"Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.
 Mas finge sem sentimento.
 Nada ´speres que em ti já não exista.
 Cada um consigo é triste.
 Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,
 sorte se a sorte é dada."

Eu me vesti para a festa

Eu me vesti para a festa.
E eu me arrumei.
Me olhei longamente no espelho.
Observei meu rosto: os olhos, a testa, rugas, sinais de expressão.
Fios de cabelos brancos despontando.
Novamente meu olhar cruzou o espelho e atravessou a fronteira palpável.
Quem era eu ali? Quem eu procurava dentro daquela imagem?

A hora chegava.
Estaríamos lá.
Todos.
E isso era o que eu pensava naquele dia enquanto me arrumava.
Eu me arrumei e me culpei.

O fato de ter ido ao evento, alegre e triste, me matou um pouco por dentro também.

A festa era de despedida...