sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Os avós de Benedita

Benedita estava chorando no parapeito da janela. Aquela mesma, terceiro andar, de fundos. Podia chorar porque sabia que ninguém a observaria. Tinha certeza disso.

Olhava árvores cinquentenárias que não lhe pertenciam. Faziam parte de uma cidade que não era a dela. E apenas um beija-flor, uma andorinha, um sabiá e um pardal ou outro lhe faziam companhia. Havia chovido, mas estava calor, as aves revoavam ao seu redor, e ela estranhava o fato de que em pleno século 21 ainda havia um jardim de fundos, com uma goiabeira remanescente, habitada por aves tão leves, tão livres. Benedita e esses pássaros - que ainda sabia reconhecer - estavam juntos se olhando. Eles cantavam e ela chorava, sentindo solidão.

Toda vez que isso acontecia, velhas lembranças lhe vinham à cabeça e faziam com que ela se sentisse ainda pior, massacrada pela angústia de se achar tão egoísta. É que nessas horas de solidão ela gostava de ir ao encontro de seus avós. Para sentir amor. Só que também sentia muito desconforto em pensar que eles deveriam sair de lá de onde estivessem para vir em seu socorro.

Ela achava egoísmo de sua parte. Muito egoísmo. Mas era o seu único escudo protetor. É assim que sentia amor. A certeza do amor. Nessas horas, não pensava em seus pais, que estavam tão ocupados, na saúde e na doença juntos. Não pensava em seus filhos: um ainda criança e precisando muito dela, outro ainda adolescente e, embora bradar que não, também precisando muito dela. Não pensava em seu companheiro, o qual já a abandonara faz tempo! Esse, decididamente não precisava mais dela. Mas não, nessas horas, Benedita pensava em seus avós mortos, que a amavam.

Seus avós retornavam de suas memórias e a acolhiam, no seu carinho, no seu modo de ser, cada um a seu jeito. Então, ela podia voltar a ser criança, querida, acolhida, escolhida, protegida, especial. Ela se sentia abraçada. Voltava a ser um projeto de esperança, um projeto de vida com a certeza de que tudo iria dar certo e de que as coisas iriam fluir.

Pelos olhos dos seus avós mortos, que a amaram muito, ela voltava a se sentir bendita, abençoada, voltava a se sentir menina e com esperanças no futuro. Benedita voltava a seguir um caminho e a acreditar nele.

Como queria abraçar de novo os seus avós... 

3 comentários:

  1. Lembranças...
    Como é bom recordá-las!
    Elas estão presentes em todos nós.

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  2. por isso é que vale a pena mostrarmos nosso amor pelos pequenos, sem medo. Quando formos embora, esse acolhimento ficará com eles, pra sempre.
    bj

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  3. Ler o que você escreve é sempre muito prazeroso. É como um salto ao passado, onde velhas e inesquecíveis histórias são visitadas e sempre nos encantam. Mas é também um salto para o futuro, numa trajetória cheia de suspense e esperança. No entanto, o mais importante nisso tudo é o equilíbrio verificado através dessa viagem, com todo o aprendizado e maturidade de então. Beijos e muito sucesso sempre. MG

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