sábado, 9 de julho de 2011

Carregamentos móveis

Adoro essa dupla vocabular: Carregamentos Móveis. Minha mente voa. Meu raciocínio ecoa. E flui para tão longe do significado original que é preciso escrever, para reencontrar o ponto de partida. 

Pois bem, evocando um místico sentido que possa haver em carregamentos móveis, há tempos venho pensando no que levar, ou seja, no que posso carregar comigo.

Claro que antes de tudo preciso informar ao leitor sobre a Teoria Minimalista - da qual sou secreta e não empiricamente adepta. Trata-se, obviamente, como o nome já diz, do mínimo, de se tentar viver com o mínimo.

Embora mais por precisão que por convicção, a Teoria Minimalista me acompanha diariamente, desde o meu despertar. Em tudo o que faço, penso ou compro. Está no meu café da manhã, no meu guarda-roupa, nas compras do supermercado, nas viagens que faço (meu pai achava graça ao me ouvir contar como reduzira a mala, até chegar ao mínimo: a escova de dentes; então, eu chegava à conclusão de que nem a escova de dentes eu precisaria levar, pois já tinha uma lá... mas ele não viu, pois nunca consegui viajar sem nada, embora continue tentando).

Sempre gostei também de pensar na mala-ideal (outra teoria que venho desenvolvendo há anos...). Além de ser aquela que eu mesma possa carregar, sem necessitar de ninguém, nessa mala-ideal  as roupas têm que "conversar" entre si, naturalmente podendo ser tão versátil quão variada.

Pois bem, nessa linha da teoria Minimalista e da Mala-ideal, tenho gastado meu tempo pensando em meus "carregamentos móveis" - par perfeito de sonoridade e sentido (pena eu não ter inventado esse termo antes....). Olho ao meu redor e me pergunto: "isso vai? isso é necessário? isso terá utilidade? isso eu posso carregar?" Preciso me dar conta de que o peso que conseguirei carregar será pouco e o espaço será pequeno, portanto, o volume (novamente o volume!) tem de respeitar o percentil mínimo.

Ao passar os olhos e descartar as coisas (pensando somente em sua essencialidade de funções) quase tudo se torna dispensável. Também, vendo por outro ângulo, quase tudo se torna multifuncional, se umas coisas puderem substituir outras. Bem, mas nesse passeio de olhos pela casa, pelos móveis, vou fazendo um inventário mental: do andar de cima, com certeza, vão os livros (mas não todos); meus papéis guardados (mas não todos); a máquina de escrever antiga, a máquina-registradora (a qual será minha peça-prima na decoração da nova sala.... decoradores de interior, preciso de vocês!!!! )*. Do andar de baixo, os pertences dos meus filhos; as louças decorativas de mamãe; minhas roupas; alguns CDs; toalhas, toalhinhas e pecinhas de crochê ganhadas da Tia Julieta ao longo da vida ou herdadas de minha avó. Queria levar a geladeira e a máquina de lavar. Mas são muito grandes. Vão caber em meu novo espaço? Acho que vou deixá-las. Minha filha me fez lembrar das bicicletas... É tudo. Ao mesmo tempo esse tudo é tão pouco! Talvez tenha esquecido uma ou outra coisinha (preciso "perder" mais tempo nesses pensamentos), mas fico me perguntando: "Precisarei de um carregador para meus carregamentos móveis? O que deixarei de herança?"

Preciso esclarecer que muito dessa Teoria Minimalista se deve a dois fatores:

1) Sempre tive um espírito muito livre. Já viajei muito e já mudei muitas vezes de casa, cidade e país. Por isso desenvolvi um, digamos, lado prático.

2) Sempre cumpri sozinha a minha jornada. Rodeada de amigos ou mesmo fazendo muitos irmãos ao longo do caminho, mas sei que minha caminhada é individual. Por isso, desenvolvi uma habilidade em levar comigo apenas o que eu possa carregar.

Além disso, nos últimos tempos desenvolvi uma relação de amor e ódio com muitos de meus objetos e com quase todas as minhas plantas. Os primeiros, porque foi a maioria deles que se impôs a mim, sem pudores ou pedidos de licença. Foram chegando atabalhoados, herdades, vindos de outras casas ou comprados às pressas, satisfazendo mais as necessidades urgentes de precisão que de prazer ou satisfação por possuí-los.

Já as plantas, porque elas são muito teimosas. Várias vezes quis deixá-las morrer. E elas resistiram. No final, quis reavivá-las. Mas elas resistiram! Se negaram! Em janeiro eu arrastei todos os vasos, tirei todos os matos, aparei todas os galhos secos, afofei todas as terras, fertilizei cada uma das folhas... Até plantei onze-horas lindas! (essas, sim, vingaram em três cores: branco, rosa e escarlate). Mas as outras plantas! Resultado: unhas estragadas, espinhos nas mãos, dois dias de cataflan e dor nas costas. E elas? Secas, inertes, pálidas, meio entregues mais às intempéries e ao cansaço que propriamente a um recomeço de vida verdejante.

Resumindo: foi disso tudo que tirei a sensação de que com alguns objetos e algumas plantas eu não preciso mais me relacionar, já que deles posso me separar sem problemas ou litígios. Posso deixá-los ao acaso, para a posteridade. Embora sinta remorsos. E culpa. E até uma saudadesinha antecipada já despontando...

Carregamentos móveis

 (suspiro)

Então, tento manter a calma. Preciso me conter para poder continuar.

Hoje não vou precisar tomar nenhuma atitude.

Hoje não vou precisar carregar nada. 

Hoje não vou precisar partir.  


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Notas de esclarecimento:

* É claro que aqui preciso fazer uma notinha muito importante. Foge ao texto em si, mas tem tudo a ver com o meu momento! É que vejo, sinto minha evolução... estou começando a "aceitar" em vez de tanto querer "ser aceita"...  Para os que me "leram" antes, ou mesmo para os que me conhecem, os que sabem da "persecutoriedade" em mim do signo que me rege, sei que compreenderão o quanto essas palavras fazem sentido. Venho me redimir com os sofás, almofadas e relógios de parede centralizados...

** A segunda notinha é uma espécie de "mea culpa" antecipado. Pode parecer que estou sendo irônica ou querendo magoar pessoas muito importantes para mim. Mas não é; é o oposto. Quero dizer que posso transitar pelo lado estético da vida (com dificuldade, tateando), mas, principalmente, pedindo e aceitando ajudas.

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