quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Para o ano do balanço

Há tempos pensei em escrever algo que falasse sobre um balanço. Seria um texto para uma data redonda, confirmativa, dessas em que a gente se põe a pensar e a fazer balancetes do que se foi ou do que se quer. Planos para o que virá, após cuidadosa análise do que aconteceu.

A idéia não vingou. Não foi para o papel (nem para qualquer outro suporte) e ficou todos esses anos hibernando em mim, mais adormecida que esperta num cérebro, digamos, quase cansado.

Os últimos acontecimentos, porém, (coincidentemente?) têm vindo encadeados ao passado. Pessoas e, juntamente com elas, lembranças e memórias de fatos, circunstâncias, objetos, locais, datas, aromas, sons, cores e texturas me fizeram refletir e transmutar o ano do balanço em  o Ano da Retomada.

Fui adolescente ontem e hoje vejo que já faz tanto tempo! Explico.

Ainda me lembro de quando fiz 14 anos e ganhei de meus avós uma mochila para levar as roupas para a praia, para quando viajávamos de férias... era azul-marinho com alças bege. Cabia tanta coisa lá dentro: chinelos, biquíni, sonhos...

Naquela época, eu era tão livre... costumava andar muito. Andava pela praia, pelas ruas de trás do prédio, ia tomar sorvete tão longe, a meia hora de caminhada. O sabor era sempre o mesmo: doce de leite! Andava com meus amigos da praia ou até ia ver os colegas do colégio que também passavam férias lá. De vez em quando, a gente ia ao cinema (ver filmes velhos pela metade do preço) ou aos parques de diversão, tão comuns para a época. Nunca abri os olhos no trem-fantasma, assim como nunca gostei dos carrinhos de bate-bate...

Já de volta a cidade, com o fim das férias, as coisas mudavam um pouquinho, mas mesmo assim eu sempre tive amigos no bairro, o que me permitia continuar minhas longas caminhadas. Fanny, Patty, Bernadete fizeram muitos roteiros comigo: sorveteria, padaria e qualquer lugar que fosse uma desculpa para dar uma voltinha e aproveitar a tarde. Naquela época da adolescência o lema era "Liberdade, ainda que à tardinha", como dizia o slogan de uma das camisetas engraçadas lançadas pela Chiclete com Banana, revista (clássica!!) de minha geração. 

Tìnhamos um grupo na escola que se reunia toda quarta-feira à tarde, após as aulas. Nossa maior diversão era "almoçar" as porcarias da cantina. Havia um colega que morava na rua da escola e, é claro, que íamos pra lá enquanto nossa reunião de grupo não começava. Ivandro tocava piano. E eu ainda me lembro de ficar pedindo inúmeras vezes pra ele tocar uma música que eu adorava! E mais uma vez ele atendia ao meu pedido. Os acordes ecoam até hoje em meus ouvidos: tan nan nan nan nan, tan tan nan nan nan nan, tan tan ... "menina do anel / de lua e estrela / raio de sol / por sobre a cidade..."

Acho que o carro do pai da Patty era um Opala marrom. Cabíamos todos: pai, mãe, seus irmãos, ela e eu... sempre lá. Seus irmãos eram tão pequenininhos! E como eram amorosos! Beijavam e abraçavam a gente com tanto carinho...

Com a Bernadete descobri uma sorveteria tão longe! Era quase na Av. Tancredo Neves. Mas íamos assim mesmo. Tardes quentes de domingo refrescadas com um único sorvete de casquinha! a grana era curta, mas nossa conversa longa...

A Fanny ia na minha casa e levava o violão. Ficávamos horas cantando no meu quarto de adolescente.

O Jeferson nos levava amoras colhidas do quintal da casa dele. A blusa branca do colégio sempre ficava meio cor-de-rosa.

Eu sempre ia ver as apresentações de balé aquático da Mauê. Era tão especial! Uma amiga aquática, quase uma sereia de longos cabelos negros anelados, presos num coquinho de nada pra não atrapalhar dentro da piscina.

Eu também me lembro de ir a pé na casa da Anna Paula muitas vezes. Ficava na Rua Izonzo. Exatamente no final da rua. Era uma caminhadinha e tanto. Eu voltava antes de ficar de noite.

Essas lembranças todas e muitas outras voltaram de uma só vez, proporcionando uma retomada incrível, de toda uma época, do que vivi, do que pensei, do que quis, do que sonhei... É tudo tão nítido. Foi "ontem". Como eu poderia ter esquecido!?

Na verdade, vejo que o balanço é a própria retomada e já que sou fadada a passar por ambos, que a retomada vença, pois tem sabor, tem cor. O balanço é chato. É matemático. É crítico. A retomada, não. Tem sabor de lembranças, tem sabor de reconquista, tem sabor de recomeço - do ponto de onde se partiu.

E olha que já me vi partida tantas vezes... Sempre recomeçando. Sim. Por isso esse é o Ano da Retomada.

5 comentários:

  1. Minhas memórias não são tão nítidas...
    Mas é muito bom compreender que a felicidade está lá, em todas essas coisinhas do nosso cotidiano! Aí muda tudo e cada dia passa a ter um sabor e uma cor especial. Ler vc é uma das delícias que tornam minha vida ainda mais feliz, obrigada. Del

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  2. Ehh amiga....essas memórias me fizeram lembrar de mais algumas, que tbm estavam guardadas lá no fundo esquecidas, mas não desaparecidas... Foi uma época onde tinhamos tempo de aproveitar cada momento, dava prá sentir o sabor do sorvete, reparar na cor das amoras e até dava tempo de brincar de sereia de longos cabelos negros anelados...rsrs
    Apesar de hj o tempo nos empurrar pra frente...com uma velocidade incrível...vc me faz sentir de novo que posso saborear um sorvete e até quem sabe prender os cabelos num coquinho de nada e sentir o movimento da água da piscina no meu corpo...
    Como diz a del , aí em cima,"Ler vc é uma das delícias que tornam minha vida ainda mais feliz."
    Bjo gde, Mauê.

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  3. Sabe que acho que a vida é um balanço... vai e volta, às vezes está lá no alto, indo pra frente, outras vezes está embaixo, outras no alto, mas andando pra trás.
    Nosso reencontro, embora seja um impulso grande pra trás, acho que nos levou muito pra frente! Acho que abriu dentro de cada uma de nós aquele olhar maroto que tínahmos na adolescencia quando acreditávamos que podíamos tudo e deu uma vontade louca de sair atrás de um monta de coisa que estava ali, meio adormecida, meio lá pra baixo, pulsando devargazinho, quase parando...
    É a vida minha amiga, o ciclo da vida!
    Você já assistiu "Os Amantes do Círculo Polar", do Julio Meden? Assista, se não assistiu, reveja se já viu!

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  4. Cila querida: como é maravilhoso ler o que vc escreve, de forma tão especial e perfeita. Que infância/adolescência abençoada tivemos... Sdds desse tempo de inocência. Infelizmente encontrei esse texto no dia em que uma das personagens dessa história nos deixou, mas trouxe um sabor doce às minhas lembranças... Vc conseguiu me fazer lembrar de detalhes que haviam se perdido em mim. Que foi com a Fanny que aprendi a gostar de Bob Dylan, Neil Young e James Taylor escutando os discos na sala da casa dela, sentados nas almofadas que ficavam espalhadas pelo chão, namorando... Lembro do olhar doce da Fanny e da vontade de viver contagiante que só ela tinha. Ela conseguia despertar e provocar o melhor que eu podia ser, como fazia com todo mundo. Impossível não sorrir ao lado dela. Qdo reencontrei a Patty, tentei também reencontrá-lá, mas ela evitou, talvez para me preservar, pois ela já não estava bem. Estou muito triste com a partida dela e peço desculpas por colocar esse meu lamento aqui, mas não consegui encontrar lugar melhor...

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  5. Estou arrasada... e com culpa! culpa do meu egoísmo, por estar sofrendo e saber que quem mais vai sofrer é a família que fica... o filho pequeno, tão pequeno...

    Termos vivido e convivido juntos todos aqueles maravilhosos momentos me dão alento e culpa! Mais culpa! É como se o fato de termos sido muito ligados num período, por si só, já garantisse a amizade para o resto da vida. Hoje, agora, eu me culpo por não ter mais mantido o contato, por não ter feito visitas, por não trazer aquela amizade para o momento atual...

    Só vai ficar na minha memória aquela japonesinha meio italiana, alegre, que não gostava muito de estudar... mas que cantava, tocava violão, conversava por horas e horas... foi um período muito bom mesmo... mas que não volta atrás e nem vai seguir em frente... e eu morri um pouco também...

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