quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A história de Dolores - parte 1

Quando Dolores voltou de Lisboa, trouxe consigo sua máquina de escrever portátil. Nela havia um adesivo colado escrito frágil. Há que se lembrar que naquela época ainda não existia internet, tampouco notebook.

Durante as onze horas de voo entre os dois continentes e as duas conexões, a máquina ficou no colo, lembrando-a das coisas que tivera de deixar para trás, pois já estava com treze quilos de bagagem a mais - só de livros. Dentre esses pertences abandonados ao destino, estava a coleção das cartas da mãe.

No avião pensou que a única pessoa que a entenderia seria o Henfil, embora ele mesmo já houvesse morrido. Quando Dolores era pequena, não sabia quem era o Henfil e muito menos o seu irmão. Hoje em dia, alguém sabe? alguém ainda conhece as cartas da mãe? Pois bem, para Dolores, era esse um tesouro imenso que precisou ser sacrificado.

Quando de sua permanência no velho mundo, foram as cartas que lhe trouxeram refúgio, ternura, notícias, palavras encorajadoras, conhecimento daquilo que estava acontecendo na sua ausência. As cartas personificavam a mãe. As cartas eram a mãe. Por isso é que custou-lhe tanto ter de abandonar a mãe, no meio da rua, jogada ao relento, no bairro Lumiar.

Mas não era só pelas cartas que Dolores se ressentia. Tivera de deixar toda uma vida. E é por isso que olhava fixamente para o adesivo escrito frágil da máquina de escrever pesando sobre o seu colo nas onze horas de voo.

Frágil, frágil, frágil. O que seria dali para frente, Dolores resolveu conferir quando, em terra, usou a ficha telefônica que tinha guardado esse tempo todo como se fosse um talismã. Uma ficha com a inscrição TELERJ e que lhe permitia falar por três minutos numa ligação local. Há que se lembrar, também, que naquela época, no Brasil, os telefones públicos funcionavam assim, com fichas, diferentemente das ligações da Europa que eram feitas em cabines e com a moeda local. 


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