quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Sou cozinheira

Mas alguns pratos eu nunca irei fazer. Um deles é feijoada. Amo. Adoro. Com todos os seus rituais já escritos, descritos, cantados e saboreados. Mas nunca na minha vida  irei fazer uma feijoada. Claro que sempre que me convidarem, irei, sim, comer, saborear uma belíssima feijoada. (já estou até com água na boca!). Mas o problema reside no fazer desse digníssimo prato nacional, que envolve muito amor, muitas histórias de amor. Não que eu não tenha amor, também não é isso. Mas acho que a pessoa nasce para tal. Ou não. O tal, no caso, é saber fazer. É a responsabilidade do fazer.

Na minha infância, era a Tia Julieta quem fazia uma farta feijoada para a família toda. No apê da praia. Calor de verão de 40 graus. E o caldo borbulhando, a vizinhança sentindo o cheirinho, a criançada voltando toda cheia de areia e indo tomar banho pelo sistema do rodízio avisado pela toalha na janela... bons tempos... tive nessa época uma toalha vermelha de flores brancas. Era a mais chamativa de todas. Quando eu hasteava minha "bandeira" ao vento, o próximo chegava correndo para o banho e aquele que já tinha acabado ia ajudar na cozinha. Bons tempos!

Depois, minha mãe passou a fazer a feijoada da família. Mais discreta, com menos estardalhaço. Muita laranja picada. Muita couve picada. Claro que também era muito saborosa, mas sem as delícias das confusões infantis, da família toda reunida e sem a presença de minha avó. Digamos que uma feijoada sem fado era para nós muito triste.

No meu aniversário de 28 anos, quem fez a feijoada foi Omar. Minha barriga estava com quase nove meses e o local foi o apartamento da rua Nilo. No paraíso. Engraçado, sempre quis escrever um conto que começasse assim: "Uma vez, vivi no paraíso"... Essa feijoada já foi bem diferente. Bem adulta. Com novas responsabilidades chegando. Diria que foi quase uma feijoada contida, apesar da muita cachaça e da muita cerveja. Foi a primeira dessa nova era.

Desde então, Omar vem assumindo o papel de Mestre Feijoeiro. Já foram tantas, que perdi as contas. Vinte anos de feijoadas afora. Um ritual que se inicia na véspera, com os planos, as compras, e os pertences escolhidos um a um, na Feira dos Produtores, diretamente de comerciantes amigos, que nos oferecem a melhor costelinha, o melhor lombinho defumado, orelhinhas, pezinhos e rabinhos pra ninguém botar defeito.

Então, no dia seguinte, os trabalhos começam cedo. E lá vai ele, quase como um general, comandando com seu avental aquelas panelas, as quatro pequenas bocas do fogão, e nós, seus assistentes. Toda vez ele diz que vai comprar umas panelas maiores. E faz planos para o futuro. Num instante a manhã se passa, num rodízio sem fim de caipirinhas acompanhadas de uns petiscos e de um tanto de conversa jogada fora.

O cheirinho arrebata a casa toda e o aroma do feijão se mistura ao amor. Tem-se a impressão de que serviremos um batalhão. Mas o quórum, agora, já é menor. Quando a feijoada fica pronta, o pequeno grupo se prepara para o ataque e se ajeita para o mais puro deleite. E é aí, nesse momento suspenso no ar,  uma hora mágica, talvez, que o tempo do relógio para e o universo se divide em dois grupos: os que nasceram pra fazer uma feijoada e os outros.

2 comentários:

  1. Cozinhar é uma relação de amor onde é essencial a
    presença daquele que "nasceu para cozinhar" e daquele que sabe saborear.O prazer de quem cozinha só é completo quando quem come saboreia e demonstra seu prazer.
    Enquanto houver feijoada existirá amor!!!
    Parabéns!!!!
    Rosilene

    ResponderExcluir
  2. Cilene, o blog ficou muito legal...Fiquei com água na boca para comer esta feijoada...Quem sabe a gente nao faz um dia aqui em casa com a turma da taquigrafia. Parabéns, adorei, só nao deixe tomar o tempo da taquigrafia, hein!!! Olha a Professora chata. Beijos, Karla

    ResponderExcluir