segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Cabelo Ventanil

Era um penteado. Um tipo de escova feita com os cabelos puxados para trás. Para dar a impressão de que o vento havia acabado de passar. Eram assim os meus cabelos nos meus 13/14 anos.

Cabelo ventanil.

Sabe aquela cena da Lília Cabral no filme Divã? -  "Repica, Renê, repica!" - Pois bem, chegou a hora e hoje vou repicar! Fios retos de uma vida perpétua vão embora para poder voltar a menina ventanil.

Engraçado que nessa "época ventanil" eu já quis ser fazendeira, pianista e aeromoça. Mas nunca movi uma palha para realizar isso. Eu achava que a definição de sonhos era o fato de serem auto-realizáveis. Por isso nunca trabalhei por eles. Anos e anos e anos. Até os esqueci. Depois que fiquei adulta e chata deixei de acreditar em sonhos e passei para as planilhas: metas e objetivos a serem alcançados. Mas também sem muito afinco! Achando que bastava caminhar para a frente.

Esse misto de acomodação com esperança foi minha inglória e burra meta de vida até agora. Eu não aprendi ou não acreditava que a gente tem de correr atrás? E agora, que eu vejo isso, será que eu sei fazer do jeito certo?

De ser aeromoça, já desisti faz tempo. Sempre soube que nunca teria mais de um metro e sessenta! Mas posso viajar, que é o que me atraía na profissão: o glamour de estar cada dia num lugar, conhecer os lugares mais lindos, apesar de sempre só... tem muito a ver comigo, não?

Quanto à pianista, nunca passei das primeiras notas do Pour Elise no piano da Patty (e olha que isso faz décadas, no plural mesmo!). Um certo pianinho amarelo povoa o meu imaginário infantil e também as histórias de minha mãe.

Mas o que me leva à fazenda? Como é que eu, urbanóide semiconvicta, criada no mais puro asfalto preto de São Paulo iria ser fazendeira? Com medo de minhoca? Não se explica.

Mas é que os verdes campos me enchem os olhos... os cavalos e as vacas nos pastos, as hortas e pomares, os homens trabalhando a terra... os ovos e as galinhas, a lenha e o fogão, as laranjas - sempre elas - e os pés, os terreiros de café, os cantos dos pássaros, os cri-cris dos grilos e, principalmente, a estrelada noite rural.

A simplicidade.
A pureza.
A primariedade das coisas em si é que me atraem.

João de barro é fazendeiro do ar. Manoel de Barros é fazendeiro de sonhos. Quero ser sua vizinha. Quero habitar essas redondezas. Quero brincar com o som e o cheiro das coisas simples desses meus campos.

Essas três ocupações eleitas nos meus planos infantis têm em comum um árduo trabalho solitário. Contínuo. Ininterrupto. Que só se percebe no final, pois leva uma vida toda. Ligam-se ao fato de se trabalhar como uma moura, de sentir que o fardo é tão pesado. De certo devem explicar porque sou tão cheia de fé. Fé e esperança.

Mas vou mudar. Vou começar a mudança repicando os cabelos. O vento vai passar por eles arejando os meus pensamentos. Como um sopro forte tirando a poeira da velha caixa fechada há anos. Depois que o vento passar, vou abrir a caixa, ver aquela bailarininha dançando o Pour Elise: tã nã nã nã nã nã nã nã nã....
e vou pensar: "Repica, Renê, repica", por que agora eu vou atrás do cabelo ventanil. 

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