terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O fotógrafo

Era início dos anos 70 e o menino tinha apenas 8 anos. Nem ele mesmo sabia, mas já era um fotógrafo de mão cheia. Digo, de visão cheia. Contemporâneo de Glauber, sem sequer conhecê-lo, compartilhava daquela máxima romântica: uma câmera na mão e uma idéia na cabeça.

Com a maquinazinha ganhada no aniversário de 14 anos, o menino de short e sem chinelos andava pela parte velha da cidade. Andava pela beira do rio, andava pelas mangueiras, andava pelos lados da rodoviária e da ponte (será que já existia a ponte?) e clicava tudo o que lhe chamava a atenção.

Na viagem para Porto Seguro, com os colegas da oitava série, estilo bate-e-volta, lá foi ele com a pequena câmera a tiracolo. Fotos P&B, quadradinhas, com as bordas repicadas, bem ao estilo da época, fizeram a reportagem daquela viagem histórica. Garotos e meninas com calças boca de sino e batas coloridas tiveram a alma e os sorrisos arrebatados em sépia, no qual se reconhecem retratados até hoje.

Teria sido ali traçado o seu destino? Ele já teria a visão de seu futuro? Seus horizontes se ampliariam como numa panorâmica?

Mulheres novas e velhas, mães trabalhadeiras, artesãs amassando o barro e aquecendo o forno, rezadeiras, mulheres plantando e colhendo, lavadeiras da beira do rio, escrevinhadoras de biscoito povoam o olhar desse menino.

Assim como as crianças, muito sorridentes, curiosas, jogando bola, empinando pipa, correndo atrás dos cachorros e das galinhas, brincando com bonecas quebradas, fazendo boizinhos de ossos, fazendo rolar latinhas velhas de goiabada... crianças em grupo - saindo do grupo escolar - crianças com pureza no olhar e que se transformam pelas lentes do menino.

E os homens? com seus chapéus de feltro tentando se proteger do sol, enrugados, parecendo mais velhos do que são, cavalgando, tropeirando, tocando seu gado magro, na lida, plantando o feijão no pó... garimpando, arando, fazendo seus cigarrinhos de palha, vendendo seus produtos no mercado, jogando cartas, tomando suas cachacinhas nas budegas, lá pros lados do seu Lidirico...

Os personagens do menino são muitos, mas são um só. Os personagens e o menino são feitos do mesmo barro daquele vale e a um só tempo se transformam no imaginário coletivo de todo um povo sertanejo e redundantemente forte.

Deve ser por isso que o menino não aguenta a lonjura, a distância. Deve ser por isso que o menino quer voltar. Deve ser por isso que o menino se perde nas ruas grandes da cidade... Que é do menino franzino de short, saindo da boleia e divisando o futuro?

O menino é o fotógrafo que olha o mundo por um quadradinho; que tem, aparentemente, uma visão limitada. Mas quando ele nos deixa ver o resultado, como se amplia! Como se agiganta o menino!

5 comentários:

  1. é lindo ler a sua leitura, olhar através do seu olhar, me sinto honrada em ser sua amiga, te amo. Del

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  2. Amiga, esse olhar é a simples soma de muitos bons momentos já vividos, muita coisa que já passamos...

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  3. Diz-se poeta ou poetisa?
    Alguma mulheres adotaram "poeta" para si. Uma luta por um espaço que os homens teimam em reinar. Que bobagem, não? Bobagem deixarem "poetisa" de lado e bobagem brigar por qualquer espaço. Espaço tem para todos e ninguém ocupa o que é do outro. Quando o dono não se apropria do seu espaço ele fica lá, vazio! mesmo que alguém imagine estar se apropriando daquele pedacinho.
    Você, Cila, querida, você é poetisa! De mão cheia! De olhos profundamente atendos de palavras doces e harmoniosas.
    Sua delicadeza na forma de contar suas histórias te deixa assim: mais linda, mais completa!
    Orgulho, amiga!
    Te amo
    Bjs

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  4. Acho que sem ser fotógrafa eu também olhei o mundo por um quadradinho. Por muito tempo. Mas essa visão focada, centrada, me ensinou muita coisa. Minhas "fotos" agora são narradas livremente, com um amplo (e belo) horizonte.

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  5. Há tempos estou para "comentar" o que meu coração não tem tempo de dizer nos nossos breves, mas adoráveis, encontros.
    Você me inspira. Seus textos me inspiram. É uma delícia ter um pouquinho de vc por aqui, bem pertinho. Mesmo com a "lonjura, a distância" que nos separa, se fechar os olhos parece que ouço a sua voz, sotaque mineirinho aqui do lado, conversando comigo. Um beijo grande. Leninha

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