sábado, 22 de janeiro de 2011

Valentia

Fico tanto tempo sozinha que já não tenho mais medo. Nem de baratas, nem de espíritos, nem de filmes de terror, nem de pegar ônibus tarde da noite, nem da luz acabar...

Fico tantas vezes só que já me acho confortável.

Fico tanto tempo só que viajo pra dentro de mim e começo a achar que isso é o normal.

A exceção é ter a casa cheia, briga pelo controle da TV, louças empilhadas que ninguém quer lavar, filas indesejáveis no banheiro.

A exceção já não conta tanto. A regra é que me faz valente e a rotina é que me impulsiona.

Mas me parece que há algo errado nessa lógica. Há algo fora de prumo, algo meio esquisito.

Não sei bem o que é, mas deveria ser o contrário. Quem deseja a rotina e a solidão? Quem não quer compaixão?

O fato é que a vida está se virtualizando demais. Conversamos pela internet, compramos comida pela internet, ouvimos música, assistimos a filmes ou a programas pela internet, estudamos pela internet, trabalhamos pela internet. E nos basta.

Sem perceber, nem abrimos a boca - ou a porta - durante uma semana.

Por incrível que pareça, o que ainda me salva é o lixo. Como o lixeiro só passa até as 8h, sou forçada a acordar cedo, abrir a porta, descer as escadas, falar bom-dia aos vizinhos, ver a cor da rua e deixar verem que estou viva. Pelo menos dia sim, dia não, às 8 da manhã. Isso na minha cidade, pois nas mais urbanizadas, nem é preciso pôr o lixo na rua...

Então constato que isso não me faz valente. Isso não me impulsiona. Isso me deixa triste. Achar que isso é normal me deixa triste. O que realmente me faz valente é estar disposta enfrentar meus medos.

Descubro que minha coragem se mede dia sim, dia não, quando me disponho a jogar fora os lixos da casa. Ou vocês pensam que é fácil?

4 comentários:

  1. Ah Cila, sabe que eu, mesmo passando algum tempo sozinho, não me acostumo! Para mim ainda trata-se de um exercício difícil ficar bem em meu silêncio e me sentir confortável. Mas estou melhorando. Vou procurar algo de 9,99 que me faça mais feliz, menos ranzinza. bjs

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  2. W. boa sorte! A procura pode levar um tempo grande, mas vale muito! A graça está no caminho, e não no seu fim!!! Bjs

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  3. Sinto dizer (de verdade) que sou pós-graduado nesse ficar sozinho e confesso que, infelizmente, já faz parte de mim...
    Numa de minhas viagens, ao apresentarmos nossos passaportes na alfândega, o fiscal começou a contar os carimbos no da Cris e perguntou: "Vcs são casados?" - eu respondi - "Eu sou quase solteiro..."

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  4. Porém ainda insisto, não quero viver só... Posso até "ficar" só, mas não quero "ser" só...

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